Quem leu alguma coisa da história da China conhece a tradição pacifista do país, que não é mais do que isso: uma tradição, que nunca será garantia de que o seu ADN não mude. Mudará na proporção do espaço livre que lhe seja consentido e da ambição do seu líder, a quem basta fazer uso estratégico das armas da era moderna – a ciência, a tecnologia, o dinheiro e a corrupção – que não precisam de passaporte para passar fronteiras.
Os sinais da ambição do líder chinês não podem ser mais explícitos. Quanto a dinheiro e corrupção… estamos conversados. Para agravar as coisas, Xi Jinping sabe que, se não avançar, será sempre lembrado como um líder que teve oportunidade de vingar cinco mil anos de subalternização ao Ocidente… e não teve coragem para o fazer.
Com os olhos postos no futuro, a China aceitou ser a fábrica do mundo, com trabalho sem lei e níveis de poluição insuportáveis, na esperança de que a sua hora chegaria. O resto da equação esteve na celebrada paciência oriental, que a levou a acumular os meios que usa, agora, para levar socorro aos quatro cantos do globo.
Para penetrar na União Europeia, a China identificou a rota portuguesa como a mais promissora, e Lisboa como testa de ponte ideal para o avanço para Norte.
Começou por Macau, onde aprendeu todas as fraquezas dos portugueses, passando depois a Cabo Verde, onde ganhou o salvo-conduto para Angola, São Tomé e Príncipe e Moçambique, com os olhos postos no petróleo, no gás natural, na construção e na agricultura.
Feito o pleno nos PALOP, ficou em condições de atacar o núcleo duro da economia portuguesa, com a prestimosa colaboração dos facilitadores de Macau, que já tinham mostrado serviço quando estenderam a passadeira vermelha para os grandes projetos do território – novo aeroporto e Baía de Nam Van, para não ir mais atrás – e não hesitaram em abrir as portas que dão acesso aos setores chave da economia.
A estratégia foi espantosamente simples: primeiro, vieram os restaurantes, que deram guarida aos batedores incumbidos de fazer o reconhecimento do terreno; logo a seguir, chegaram os magnatas do retalho, que se instalaram nos eixos Vila do Conde-Póvoa do Varzim e Samora Correia-Porto Alto, de onde comandam a vastíssima rede de lojas que é, também, a mais poderosa rede de informações do país; só então, avançou a artilharia pesada, para tomar conta da EDP, REN, BCP, Caixa Seguros, Fidelidade e Luz Saúde. Tudo sob a vigilância do Partido Comunista Chinês, que maneja os tentáculos que se estendem para Norte, Leste e Oeste.
O caderno de encargos é conhecido: quem sai, sai para servir e dar bom testemunho da Grande China, regra que se aplica tanto às empresas que ‘vão às compras’, como aos cidadãos autorizados a instalar-se no exterior. Portugal tem uma amostra do que significa esse controlo, desde que viu a funcionar os filtros que deixam passar os candidatos aos Vistos Gold: passam os bons súbditos, os fiéis ao Partido, e… ponto final!