Embora ainda bastante longe de voltarmos ao normal, começamos a recuperar o que tínhamos e muitas pessoas começam a respirar de alívio. O estar em casa fechado levou as relações ao extremo. Ora de quem está sozinho – que teve de conviver exclusivamente consigo e teve oportunidade, ou não, de se descobrir melhor e arranjar forma de se tornar uma boa companhia para si próprio – ora de quem partilha a casa e a vida com outras pessoas. As relações tornaram-se mais reais, mais completas. Tivemos oportunidade de nos conhecer de outras formas, muitas vezes no limite do cansaço e da exaustão, mas também na descontração, com mais disponibilidade para estar, para brincar e mimar.
Para muitos esta quarentena foi o presente há tanto ansiado. Quantas pessoas ouvimos diariamente queixarem-se da falta de tempo para a família, para os filhos, para si, para a casa. Da correria para o trabalho, da ausência das refeições em conjunto, da partilha. De se poderem demorar um pouco mais nas coisas simples, de não serem tão exigentes com tudo. De não verem a vida a passar em modo rápido à sua frente, sem poderem fazer nada. De serem escravas e espetadoras da sua própria vida.
O tempo parou. Tudo o que era excesso ficou interdito: o excesso de consumo, o excesso de trânsito, o excesso de velocidade, de acidentes, de poluição, de amontoados de pessoas, de futilidades. Em casa ficámos com o que era simples e necessário e em muitos casos regressámos ao passado. Foram tantas as ocasiões em que me lembrei da minha infância. Não só de quando os mais velhos me falavam de como sobreviveram à gripe espanhola ou da escassez de alimentos no tempo da guerra, mas também pela simplicidade dos dias e dos recursos. Por tudo o que passámos a fazer em casa, como o pão todas as manhãs. O tempo para ler várias histórias antes de dormir, as descobertas na natureza, de ver os mais pequenos a inventarem brincadeiras novas, a divertirem-se livremente sem horários nem regras tão rígidas, ficarem acordados até mais tarde, não terem de se vestir e tomar o pequeno-almoço a correr para irem para a escola. Para além claro das guerras, dos disparates e de todos os acidentes de que a nossa casa – usada tanto tempo por tantas pessoas – foi sendo vítima.
Quando oiço alguém dizer que quer que volte tudo ao normal até estremeço. Como quando saio e vejo as pessoas novamente a apitar umas às outras impacientes ou a tentar passar à frente na fila do supermercado. A apedrejarem o autocarro da sua equipa só porque empatou um jogo. Eu não quero que volte tudo ao normal! Ou pelo menos àquele normal doentio a que nos fomos habituando.
Adoro que as pessoas tenham de estar a dois metros de mim nas filas de supermercado e que não me pisem constantemente os calcanhares com o carrinho na ânsia de chegar à caixa. Adoro fazer refeições em família. Não ter de correr para todo o lado para não chegar atrasada. Adoro viver devagar, ou ao nosso ritmo. Sem as imposições constantes dos outros, sem exigências que chegam de todos os lados e com tempo para quem e o que é mesmo importante.