Nos últimos meses falou-se de pouca coisa além de coronavírus, o que aparentemente teve um efeito positivo. As pessoas perceberam a dimensão da ameaça e os comportamentos que deviam adotar para se protegerem. Portugal foi exemplar no período do confinamento. Agora começa uma fase diferente.
Os primeiros movimentos pós confinamento não indicam uma postura tão exemplar. Apesar das limitações impostas à utilização de espaços públicos e serviços, as enchentes nas praias e a fila para a abertura da Primark são sinais preocupantes. Em certos aspetos o mundo mudou, mas só durante um bocadinho.
Claro que não houve tempo suficiente para se criarem estruturas que permitam implementar o trabalho à distância em muitas empresas, ou para os restaurantes conseguirem pensar ementas e serviços take away em condições – apesar de um esforço meritório de muitos intervenientes. Ninguém disse que ia ser fácil, ou rápido, ou que não exigiria um esforço de todos. Também ninguém disse que a covid-19 seria um fenómeno efémero, sobretudo que deixaria de ser uma ameaça quando pudéssemos sair à rua.
Mudar hábitos no ser humano não é fácil, muito menos rápido. Mas com as marcas não tem de ser assim.
Quando os portugueses recolheram às suas casas, as marcas falaram de esperança e confiança. Apesar de tímidas, as marcas relembraram-nos que estamos todos no mesmo barco, que entendem o nosso sofrimento e que até estão cá para dar o corpo às balas se for preciso. Mas na maioria dos casos a passagem do discurso à prática não foi muito evidente. As marcas promoveram um abraço de grupo, que não deixa de ser importante, mas numa atitude de vamos lá ver se isto passa rápido para voltarmos a fazer o que fazíamos. E, queridos fãs, quando desconfinarem cá estaremos para vos servir, com experiências incríveis e juntando a maralha em festas e concertos. Aguentem mais um pouco, mas fiquem tranquilos porque a festa vai voltar.
Good things come to those who wait é umas das melhores frases publicitárias que conheço, daí a ser sempre verdade vai uma grande distância.
Na construção da sua relevância, as marcas devem estar próximas dos seus públicos, partilhando as suas dores e angústias, devolvendo esperança e otimismo. Mas de pouco serve se não tiver uma materialização. Distinguindo ações de intervenção social das marcas, na sua esmagadora maioria de grande valor para a comunidade e merecedoras de reconhecimento, poucos produtos ou serviços foram criados ou adaptados para, de forma permanente, poderem ajudar à adaptação ao novo estilo de vida de telejantares de família.
Dizer que voltamos em 2021 no mesmo sítio e com o mesmo cartaz, que abrimos as lojas na próxima semana é audacioso, talvez mesmo irresponsável. O desejo de regressar à normalidade é compreensível e necessário, desde que se entenda que a normalidade agora é outra e tem algumas regras novas. Precisamos uns dos outros para nos adaptarmos e as marcas não são exceção. Pelo contrário, contamos com elas para que possamos continuar a viver com o conforto e segurança possíveis.
Já agora, não descolem do vidro do elevador o papel em que se oferecem para ajudar os vizinhos com as compras. Pode dar ideia que era só para parecer bem. E claro que não foi nada disso.