Um dos valores básicos que pais e educadores tentam passar às crianças é o da partilha. Tudo o que temos deve ser partilhado, para que outros possam também ter a oportunidade de usar. O que faz sentido a vários níveis: evitar o egoísmo, encorajar o altruísmo, a solidariedade, a amizade, o desapego do que é material e até dar mais valor àquilo que temos. Todo este raciocínio está certo e conduzirá ao desenvolvimento de melhores relacionamentos e personalidades.
No entanto, por vezes, sobretudo os pais, levam isto tão a sério que não se apercebem de como são inconvenientes e poucos sensíveis em algumas situações. Quem ainda não presenciou uma criança chegar a um parque infantil e no momento em que se prepara para andar no seu triciclo, brincar com o seu carrinho ou boneca, ser surpreendido por outra criança – que nunca viu mais baixa – que quer por força brincar naquele momento com o que é seu? E, pior, incompreensivelmente os seus pais obrigam-na a dar naquele momento à tal desconhecida aquilo com que estava tão entusiasmada. Os pais da outra criança limitam-se a balbuciar um: «Deixe estar. Coitada», porque já preveem uma grande choradeira caso o filho não tenha o que quer.
Ou seja, as crianças desempenham os papéis esperados: uma, com todo o direito, quer brincar com o seu brinquedo e a outra usa os seus métodos persuasivos para ficar com ele. Quem desempenha papéis inverosímeis são os pais. Levados pelo politicamente correto ou pelo que acham que fica bem fazer, dizem coisas insensatas como: «Não sejas egoísta, empresta o brinquedo ao menino». E perante o choro do filho e o olhar dos outros, acrescentam: «Não faz mal. Ele tem de aprender a partilhar. É muito egoísta» e deixam o seu filho em lágrimas enquanto lhe arrancam o brinquedo das mãos e o passam ao pequeno predador. Porque o desgraçado tem de aprender ali, naquele momento, que partilhar é muito importante e que não pode ser um egoísta.
Aprender a partilhar é essencial. Sem dúvida. Mas o respeito pelos outros não é menos importante, tal como o egoísmo, a inveja e a teimosia não são grandes qualidades. Aquele que tem o brinquedo é egoísta se não emprestar, mas o outro já não é se insiste em ter o que quer mesmo vendo que deixa o dono em lágrimas? É este o comportamento que devemos aprovar e apoiar?
Ou naquelas situações em que uma criança faz anos e mal abre um presente já tem outra à perna que o quer experimentar primeiro e os pais acham todos muito bem. Partilhar é uma coisa, mas arrancar algo das mãos de quem o tem por direito e está tão entusiasmado é outra bem diferente. E passar a ideia de que o pode fazer impunemente também não é passar um bom valor. Além de que há idades em que para algumas crianças ainda não é fácil emprestar o que têm, o que não faz delas egoístas. Um dia emprestarão com naturalidade e prazer, sobretudo se não passarem por muitos episódios injustos deste género.
Já para não dizer que não devemos levar as nossas crianças a pensar que se devem submeter à vontade das outras crianças ou que mesmo a criança mais improvável leva os pais a ficarem do lado dela injustamente.
Agora no tempo da covid não temos esse problema, porque ninguém quer tocar naquilo que não é seu.