Nestes últimos tempos, quando tivemos de alterar os nossos hábitos e a nossa maneira de estar na vida devido à pandemia que paralisou o mundo, tenho pensado demasiadas vezes no encontro que tive com o Prof. José Pinto Correia, de grata memória, no terraço de um resort algarvio com vista para o mar.
Nessa altura, como já aqui o referi no artigo Um dia continuamos a conversa…, dirigia eu um centro de saúde em Lisboa, enquanto ele, um professor universitário de renome internacional, estava no auge da carreira. Mas nem por isso abdicava da sua simplicidade, fazendo questão de dizer que queria «aprender com os mais novos».
Esta ideia acompanhou-me ao longo da vida, e ainda hoje medito no significado e na profundidade do seu riquíssimo conteúdo. Aprender com a experiência dos mais velhos é normal e nada tem de extraordinário; mas reconhecer que é preciso aprender com os mais novos é sinal de que não se quer parar no tempo – e, neste caso concreto, de ver a medicina com outros olhos.
Os anos passaram. Quando cheguei à unidade de Saúde onde ainda hoje me encontro, era eu o médico de família mais novo do grupo – mas a minha integração foi pacífica e depressa passei a acompanhar o ritmo de trabalho que então existia.
Hoje, passa-se precisamente o contrário: de todos os estratos profissionais, sou o mais velho do centro. Contudo, a experiência de trabalhar com gente jovem tem sido muito enriquecedora e bastante vantajosa para mim. Tal como Pinto Correia defendia, tenho aprendido muito com eles. E agora (mais do que nessa altura) percebo como isso é importante. Os médicos mais novos veem em mim a experiência, e acredito que poderei ser para eles uma referência a preservar; e eu vejo neles uma forma diferente de trabalhar, onde se destaca o trabalho em equipa e um apurado sentido de entreajuda.
Susana Correia, médica coordenadora – com a ingrata missão da gestão da unidade, onde não se pode agradar a todos –, tem privilegiado esse trabalho em equipa, incutindo no grupo uma ‘calma’ que quase já se tornou ‘regra obrigatória’. E à custa de duas palavras apenas: «Sem stress!».
Desde o início achei curiosa esta expressão – que mais tarde, mesmo no coração da pandemia, pude comprovar como era útil e fazia todo o sentido.
No meio da confusão própria destes tempos de calamidade, uma voz de comando transmitindo serenidade às pessoas desnorteadas e confusas acaba por ser, talvez, o mais importante. ‘Sem stress’ – a palavra de ordem.
O trabalho em equipa é a fórmula que melhor se adapta aos tempos que temos vivido. Os utentes puderam sempre ter resposta da nossa parte. Mesmo nas alturas mais críticas, encontraram uma voz amiga que, ao telefone, os orientava, e uma porta aberta para os receber, se fosse o caso.
Se a essas diretrizes se adicionar bom senso, o objetivo é seguramente atingido… sem stress.
Como médico mais velho, tenho acompanhado com orgulho e emoção a forma como todos têm colaborado entre si (médicos, enfermagem, pessoal administrativo e até segurança!), com espírito de unidade e cooperação. ‘Um por todos e todos por um’, num tempo em que é preciso unir esforços e distribuir tarefas.
Nesta incerteza em que vivemos, sempre à espera do que o futuro nos pode reservar, uma coisa é certa: se houver uma segunda vaga de covid-19, já não nos apanhará desprevenidos. E os utentes poderão continuar a contar connosco.
Fico feliz por dar ainda o meu (modesto) contributo a esta equipa que me ‘adotou’ e que tão carinhosamente me tem tratado. E quando chegar o momento de cessar funções, a população desta área pode estar descansada pois encontrará aqui excelentes profissionais para a acolher e continuar a acompanhar. A vida é mesmo assim.
Quanto a vós, colegas mais novos, o melhor que vos posso desejar é que, quando chegarem ao final das vossas carreiras, os doentes vos recordem apenas como autênticos médicos de família no verdadeiro sentido da palavra. Um doente vale mais do que todos os indicadores. Se conseguirem manter o espírito de grupo que criaram e apostarem tudo no doente, os resultados não tardarão a aparecer… Sem stress!