A paragem foi longa – três meses – mas a semana que passou foi suficiente para trazer alguma agitação ao processo Marquês, com as alegações em debate instrutório das defesas de arguidos como Carlos Santos Silva, considerado pelo Ministério Público (MP) como o testa de ferro de José Sócrates, Joaquim Barroca, antigo administrador do Grupo Lena, e José Pinto de Sousa, primo do ex-primeiro-ministro.
Ontem, foi a vez da defesa de Rui Horta e Costa e da de Hélder Bataglia, empresário luso-angolano que confessou ao MP durante a investigação que o antigo presidente do BES, Ricardo Salgado, lhe havia pedido para transferir 12 milhões de euros para Carlos Santos Silva, dinheiro que os investigadores acreditam que tivesse como destinatário final José Sócrates.
E o advogado Rui Patrício, que representa os dois arguidos, não só defendeu que os clientes não cometeram nenhum dos crimes pelos quais estão acusados, como ainda respondeu à letra à colega Paula Lourenço, que acusara Bataglia esta semana de ter feito delação premiada: «O meu cliente não representou uma viragem neste processo».
A defesa de Bataglia considera, sobretudo, que os crimes por que foi acusado Bataglia já foram investigados em Angola, cuja justiça, diz, é a competente, e o processo foi arquivado.
A advogada Paula Lourenço, que representa Santos Silva, começou a semana a lançar duras críticas ao despacho de acusação e ao próprio Ministério Público, cujos métodos usados comparou aos da PIDE. «Noutros tempos havia processos administrativos que investigavam pessoas e só após o 25 de Abril é que os interessados ou os seus descendentes os consultaram, depois de requerimento na Torre do Tombo», disse a advogada, citada pela Sábado.
Investigação ‘eivada de incongruências’ e ‘saltos no escuro’
A advogada aproveitou ainda a sessão de segunda-feira para acusar os procuradores de terem feito um acordo de delação premiada com Hélder Bataglia e de ter querido fazer um «acordo manhoso» com o seu cliente. Perante uma prova que classificou como «suja», Paula Lourenço defendeu que a investigação conhecida como processo Marquês deveria ser anulada.
E não foi a única a falar em ilegalidades.
Para a defesa do antigo administrador do Grupo Lena, esta é uma investigação «eivada de ilegalidades» e com «evidentes precipitações, lacunas graves e lapsos jurídicos».
Na quarta-feira, nas suas alegações em sede de debate instrutório, o advogado Castanheira Neves, citado pela Lusa, disse mesmo que não se recorda «de uma acusação tão incompleta, tão eivada de incongruências, de saltos no escuro e tão infundamentada» como a Operação Marquês.
Afirmando que o cliente «não conhece Armando Vara, Ricardo Salgado, Hélder Bataglia e José Paulo Pinto de Sousa», Castanheira Neves voltou a defender que o dinheiro transferido para Carlos Santos Silva, amigo de José Sócrates, tinha como objetivo pagar serviços prestados por aquele ao Grupo Lena: «Há uma falsidade monstruosa que está documentalmente comprovada».
Já o advogado do primo de José Sócrates, João Costa Andrade, apontou todas as setas ao juiz Carlos Alexandre, que dirigiu a fase de investigação da Operação Marquês – recorde-se que a instrução foi parar às mãos do juiz Ivo Rosa após sorteio informático.
O ataque cerrado ao trabalho de Carlos Alexandre
Costa Andrade disse mesmo durante as suas alegações que o Tribunal Central de Instrução Criminal deveria passar a chamar-se «Tribunal do Carlos de Instrução Criminal, Sociedade Unipessoal», referiu o Observador.
«O que se esconde nas sombras dos tribunais portugueses, hoje, é perigosíssimo», disse o advogado, referindo-se a um alegado trabalho de equipa entre juízes e procuradores do DCIAP.
Admitindo que nunca estaria presente no tribunal se fosse Carlos Alexandre a conduzir a fase de instrução, Costa Andrade afirmou ainda que de nada vale «lutar para que a distribuição [dos processos] seja limpa». Os recados também se alargaram ao inspetor tributário Paulo Silva, que coadjuvou a investigação.
Quanto à acusação em si, a defesa também se pronunciou. Disse que o MP nem sequer terá definido uma data para o alegado pacto corrupto entre o seu cliente e os restantes arguidos.
Frisou ainda não existir nada que comprove a tese do Ministério Público de que o seu cliente tenha entregue ao primo, José Sócrates, dois milhões de euros nos anos de 2006 e 2007.
Segundo a defesa, o MP defendeu tal tese «com o mesmo grau de certeza com que podia ter afirmado que esses levantamentos foram para comprar armas, para tráfico de seres humanos ou para compra de droga».
«Não é verdade que a prova financeira seja inatacável, e muito menos esgotante», disse ainda na sessão de quarta-feira.
Depois das sessões desta semana ficam apenas a faltar as alegações da defesa de José Sócrates.