Fez este sábado uma semana que Pedro Lima, no seu último ato, nos deixou chocados e perplexos. Como é que alguém que parece ter tudo para ser feliz pode sentir um desespero tão grande que o leva a uma atitude destas? Quem sorri também sofre?
São sobretudo estas as questões que as pessoas se colocam e muitas vezes são também estas que quem está em sofrimento coloca a si mesmo: ‘Não faz sentido estar triste, na verdade nem tenho razões para isso. Deve ser qualquer coisa sem importância que irá passar’. É comum a dúvida de se será normal ou patológico. A barreira muitas vezes é difícil de definir e identificar.
No dia antes da morte de Pedro Lima, faleceu o escritor Carlos Ruiz Zafón, autor, entre outras obras, do livro A Sombra do Vento, com o qual se tornou mundialmente famoso. Sucumbiu aos 55 anos, após dois anos a lutar contra um cancro.
Além da coincidência das datas, os dois tiveram em comum terem sido vítimas de uma doença prolongada. Com a diferença de uma ser visível – para si e para os outros – enquanto a outra se ia apoderando da vítima silenciosamente e sem danos aparentes. O que faz dela, além de perigosa, matreira e imprevisível.
É ainda muito difícil dar espaço ao sofrimento e procurar entendê-lo. A tendência é pô-lo para trás das costas e não lhe dar o devido valor. Não é suposto amanhecermos ou adormecermos sistematicamente tristes ou angustiados, não termos esperança no futuro, não gostarmos de nós próprios ou vivermos aprisionados como escravos de uma vida que não desejamos. Devemos procurar respostas para este sofrimento, devemos tentar entendê-lo, transformá-lo e nunca lhe virar as costas, porque ele pode crescer no canto onde o colocámos e um dia apoderar-se de nós.
Quantas pessoas à sua volta gostariam de o ter ajudado? Quantas se culpam por não se terem apercebido?
Ninguém é culpado, nem vale a pena pensar retrospetivamente, mas talvez possa ser importante ter atenção a uma série de atitudes que podem ser decisivas.
A exigência da vida por vezes é tanta que nos consome e empurra para a frente sem nos deixar dizer se é esse o caminho que queremos seguir, sem nos deixar parar para pensar, para decidir, para escolher. Não podemos consentir sermos escravos da nossa própria vida ou seguirmos um rumo que não desejamos. Temos de ser audazes para parar, pensar e desafiá-lo, sempre.
Não estamos sozinhos, somos seres relacionais. Precisamos dos outros e devemos confiar, não só para partilhar o nosso lado mais feliz, mas também o que nos aborrece ou entristece. É bom sentirmo-nos acompanhados. No bom e no mal. E neste aspeto as redes sociais são máquinas indutoras de erro, alimentadas com o que os outros esperam de nós e não com o que somos verdadeiramente. Somos um pacote de coisas boas e menos boas, de coisas felizes e outras difíceis, de qualidades e defeitos. E é importante que nos possamos aceitar e aos outros assim.
Por fim, é bom estarmos disponíveis e não desvalorizarmos o sofrimento dos outros, ainda que com boa intenção. A tendência de querer que o outro não sinta dor acaba por a desrespeitar. O ‘isso não é nada, tu és forte, tens tudo para ser feliz e vais dar a volta’ pode silenciar o sofrimento sem que se lhe dê espaço para o entender e transformar.
Não devemos ter medo de pensar naquilo que nos preocupa ou entristece. Nem desvalorizar os efeitos deste confinamento, que pode despoletar preocupações adormecidas. Dos mais novos aos mais velhos, para que não se sintam sozinhos nas suas dúvidas ou preocupações. Para que possamos evitar tragédias.