Quero olhar para o futuro e partilhar os sonhos que tenho para as cidades verdes e digitais que sei que podemos construir.
Cidades onde a eficiência não vem da redução do rigor e da transparência, mas da redução da burocracia e do uso competente das tecnologias.
Cidades que aproveitam a oportunidade dos fundos que a União Europeia nos disponibiliza para introduzir excelência e para consolidar a nossa missão no Pacto Ecológico Europeu.
Cidades onde a gestão da informação acontece em tempo real, seja da pandemia, seja do sistema de transportes públicos, permitindo planear a vida à medida das necessidades das pessoas para o seu conforto e segurança.
Já existe tecnologia para montar um sistema de transportes públicos a pedido, com reserva de lugares antecipada, através de uma app que se segura na palma da mão. Com os apoios europeus que nos vão chegar, considerando o receio de disseminação da epidemia nos transportes, não seria agora a oportunidade para desenhar um sistema de transportes públicos em conformidade com as possibilidades tecnológicas deste milénio? Com esses apoios europeus, não seria também o momento de introduzir mais rigor no momento da contratação de obras públicas através de modelos inteligentes BIM (Building Information Modeling), reduzindo desvios de custos e erros de coordenação?
No entanto, a Proposta de Lei n.º 41/XIV/1 apresentada esta semana pelo Governo para a revisão do Código dos Contratos Públicos a pretexto da pandemia caminha no sentido contrário, apagando a esperança de que o futuro possa vir a ser melhor do que o passado.
O Governo propõe a criação de um conjunto de ‘Medidas especiais de Contratação Pública’ para vigorar até dezembro de 2022, ‘agilizando’ os procedimentos para contratação de obras e transformação digital. Uma infeliz sequela da ‘Modernização da Parque Escolar’ do Governo socialista de José Sócrates, lançada, na altura, para ‘reanimar’ a economia, com os tristes resultados que, hoje, conhecemos e estamos a pagar.
A pretexto da pandemia, o Governo pretende retirar exigências de especificações técnicas no momento da contratação de obras, generalizando a figura do concurso de conceção-construção, tendo por base um Programa Preliminar em vez de um Projeto de Execução. Atualmente, o concurso de conceção-construção só é permitido para situações muito excecionais. Não é generalizado porque dificulta a comparação da relação qualidade/preço de cada proposta. Agora, o Governo propõe aplicar regime até 2022, para um valor total de obras que será próximo dos 1000 milhões, incluindo o previsto no Programa de Estabilização Económica e Social e a habitação pública.
Como é possível voltarmos aqui, depois do que passámos com os estádios para o Euro 2004 e com o programa de Modernização do Parque Escolar? Estes dois programas são hoje evidências que “agilizar” e criar “regimes excecionais” nas obras não é mais rápido nem mais barato. Os processos tendem a acabar nos tribunais, embrulhados em trabalhos-a-mais, valores-base mal construídos e empresas de construção a apresentar falência.
Além deste histórico, sabemos que o ano de 2021 será de eleições autárquicas, no qual os presidentes de câmaras municipais que se recandidatem tenderão a querer despachar num ano o que não fizeram em três. Vai ser ‘uma festa’ e, infelizmente, já sabemos quem a vai pagar.
Temos de virar esta página. É preciso pôr um fim a estes hábitos. O futuro tem de ser diferente.