Portugal sem corredor turístico

O Algarve ‘é prejudicado pela situação que se vive em Lisboa’, disse responsável do setor turístico. O Governo queixa-se de uma decisão ‘injusta’.

Já se sabia que seria um verão atípico, mas agora tornou-se ainda mais: na sexta-feira foi publicada a lista de 59 países e territórios com corredores turísticos com o Reino Unido, que começarão a funcionar a partir de 10 de julho, e Portugal continental não está lá – entram apenas as regiões autónomas da Madeira e dos Açores. Ou seja, os turistas britânicos que costumam encher as praias, restaurantes e hotéis do Algarve no verão, caso queiram visitar o país, continuam a ter de fazer 14 dias de quarentena no regresso. A medida será revista quinzenalmente, mas, enquanto durar, tirará o apetite por Portugal a muitos britânicos. Em vez disso, podem optar por mercados turísticos competidores, como Espanha, Grécia ou Itália, que ficarão isentos de restrições.

«O Algarve ficou praticamente fora da pandemia e é prejudicado pela situação que se vive em Lisboa», queixa-se Elidérico Viegas, presidente da Associação dos Hotéis e Empreendime­ntos Turísticos do Algarve (AHETA), ao SOL. Refere-se ao recente alastrar da covid-19 na região de Lisboa e Vale do Tejo, (ver páginas 6-7) onde se registou a maior parte dos novos casos nos últimos 14 dias – o principal critério para decisão britânica. «O impacto é enorme, tanto nas empresas hoteleiras e turísticas, como na economia da região e do país», avisa Elidérico Viegas.

Importa lembrar que, segundo as estatísticas oficiais do Reino Unido, cerca de 2,5 milhões de cidadãos britânicos visitaram Portugal só em 2019. No Algarve, os turistas britânicos representam cerca de um terço das dormidas na região, bem como quase 50% dos passageiros que desembarcam aeroporto de Faro.

«Embora os britânicos possam continuar a vir, apesar das restrições, é óbvio que não é a mesma coisa». De facto, no fim de semana passado, registou-se um pico nas reservas de férias nas maiores agências turísticas britânicas e os destinos que mais ganharam foram aqueles em que o Governo de Boris Johnson confirmara que não haveria quarentena no regresso.

Para o presidente da AHETA, trata-se de uma injustiça, e o presidente da Região de Turismo do Algarve, João Fernandes, concorda. «É uma decisão que lamentamos e que não compreendemos à luz dos factos», assegurou, em comunicado, associando o elevado número de casos em Portugal, per capita, com a taxa de testagem elevada. «Será mais seguro viajar para países que testam metade, ou mesmo um terço?», questionou.

Entretanto, o Governo regional da Madeira expressou satisfação, por o Ministério dos Negócios Estrangeiros britânico ter considerado que o arquipélago não apresenta «um risco inaceitavelmente alto para os britânicos que viajam para o estrangeiro», à semelhança dos Açores. «A estratégia da Madeira estava correta. Testamos os turistas no aeroporto», disse Miguel Albuquerque, citado pela TSF.

 

Um decisão ‘absurda’?

Naturalmente, a exclusão de Portugal continental da lista de países com corredores turísticos com o Reino Unido não caiu nada bem junto do Governo português. Tratou-se de uma decisão «absurda», «errada», que causa «muito desapontamento», considerou o ministro dos Negócios Estrangeiros português em declarações à Lusa. Augusto Santos Silva recusou, no entanto, a ideia de impor restrições semelhantes aos 35 mil britânicos que vivem em Portugal.

O Governo de António Costa bem tentou negociar com o Governo britânico, disponibilizando-se até, caso necessário, a aplicar medidas sanitárias e de segurança extra. Mas os apelos caíram em orelhas moucas.

Aliás, ainda no início da semana, o ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital, Pedro Siza Vieira, tinha declarado aos jornalistas que estavam em curso «discussões com as autoridades britânicas no sentido de explicar que Portugal, no seu conjunto todo e uma parte dos destinos dentro do país, como o Algarve e o norte do país, são destinos seguros». Acrescentando, em termos fortes: «Não faz sentido termos uma discriminação nestes termos».

Já António Martins da Cruz, antigo ministro dos Negócios Estrangeiros, garante que a exclusão da lista não foi uma derrota diplomática do Governo de António Costa, mas sim a aplicação de critérios técnicos pelo Reino Unido, dado o elevado número de casos de covid-19 per capita em Portugal registado nas últimas semanas.

«Esta lista é para ser revista periodicamente. Se as condições sanitárias melhorarem em Portugal, Portugal pode nessa altura ser incluído na lista», considera o antigo diplomata. «Acho um disparate haver membros do Governo a dizer que Portugal está a ser descriminado», acrescenta. «Deixemo-nos de pedinchices diplomáticas e políticas e passemos a cumprir os critérios».