Vivemos um período doloroso que pode, e deve, ser encarado como uma oportunidade de rever quase tudo. Deitar fora o que já não serve, reciclar o que ainda pode ser utilizado e criar novas oportunidades que correspondam às reais necessidades. De um dia para o outro, tudo mudou e a mudança continua a ser constante e imediata. Cabe ao velho e sábio continente ser capaz de utilizar as ferramentas que tem para travar os monstros que o querem devorar. Uma Europa desunida e fragmentada será uma presa fácil para o gigante chinês e o avassalador norte-americano, governado por um lunático merecedor de uma estadia permanente num asilo psiquiátrico.
A Europa tem vindo a ser vítima e, ao mesmo tempo, causadora de dramáticos incidentes e, se não for capaz de se reinventar, corre o risco de se afundar para sempre. Ainda a recuperar do Brexit, é agora obrigada a lidar com a crise económica e social que já começou. A mais grave desde a Segunda Guerra Mundial. Foi precisamente no pós-guerra que surgiu o primeiro projeto europeu. A CECA nasceu em Paris, em 1951, e teve como principais mentores Robert Schuman e Jean Monnet. O declínio das indústrias do carvão e do aço deu origem à CEE, através do tratado de Roma em 1957.
Em 1992, o tratado de Maastricht decidiu que a Comunidade Europeia deixaria de ser meramente económica e pautou a sua ação através de três pilares fundamentais: Comunidades Europeias, Política Externa e de Segurança Comum e Cooperação Policial e Judiciária em Matéria Penal. A União Europeia emancipou-se e cresceu graças ao tratado de Lisboa, assinado em 2007. Os três pilares do tratado anterior foram substituídos por competências. Passamos a ser uma grande família porque a união faz a força. Tem sido mais ou menos assim até aos dias de hoje.
Mas não é fácil manter o equilíbrio entre 27 países tão diferentes (cultura, língua, religião, tradições, políticas internas). Após a (in)esperada saída do Reino Unido, a aliança franco-alemã faz das tripas coração para que o barco não navegue sem capitão nem rumo. É importante respeitar o que nos distingue e reforçar o que nos une. Qualquer tentativa de nacionalismo exacerbado seria prejudicial. Que o diga a Alemanha que ainda hoje é perseguida por duas guerras que ensombraram o mundo. Certas tragédias jamais poderão ser apagadas da memória coletiva.
O que é nacional é bom? Nem sempre… Marcas de prestígio francesas fabricam roupa e sapatos em Portugal. Em contrapartida, marcas portuguesas com nomes estrangeiros, estrategicamente escolhidos, produzem em países asiáticos. Quando necessitamos contactar o apoio ao cliente de uma companhia de telefone somos imediatamente transferidos por satélite até à Índia ou ao norte de África. A fruta europeia apodrece porque não é vendida, mas os hipermercados são invadidos por produtos hortícolas provenientes de países longínquos. Para o bem da globalização.
Obviamente isto não acontece por falta de meios. A Europa dispõe de tudo, menos de vontade. Para quê inverter a ordem natural das coisas? É tão simples depender do made in China, desmantelar grandes empresas e vendê-las à Ásia e ao Médio Oriente, deslocalizar os serviços, enviar resíduos tóxicos em barcos até ao outro lado do mundo. Investir na mão-de-obra qualificada existente, limitar as importações desnecessárias, criar parcerias entre as várias empresas europeias, promover a educação e a investigação para que os cientistas não fujam… Tudo isto dá muito trabalho! E a solidariedade europeia às vezes não passa de uma miragem. Afinal a inércia parece não ser uma característica exclusiva dos habitantes do sul da Europa.