Preocupação com a fronteira arrisca estragar a festa de Trump e Obrador

Cada vez mais mexicanos estão preocupados com as centenas de milhares de viajantes vindos dos EUA.

O tabuleiro virou: agora, são os mexicanos que exigem restrições à entrada de pessoas vindas dos Estados Unidos no seu país. Face à aceleração da pandemia nos EUA, que ultrapassou os três milhões de infeções registadas, com um número recorde de 60 mil novos casos, na quarta-feira, há grande preocupação com a fronteira: os estados mais afetados são sobretudo no Sul, como o Texas e o Arizona, que há umas semanas foram os mais apressados em reabrir. Algo que dificultará o encontro entre o Presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, e o seu homólogo norte-americano, Donald Trump, na quarta e quinta-feira, em Washington.

Trata-se de uma rara visita de Estado, num momento de restrições por todo o globo. O objetivo é celebrar um novo acordo de comércio entre o México, os EUA e o Canadá, que regula o fluxo comercial entre ambos os países, estimado em 1,2 biliões de dólares por ano (cerca de um bilião de euros). A festa foi estragadas pela recusa do primeiro-ministro canadiano, Justin Trudeau, em comparecer – não está nada satisfeito com a possibilidade de novas tarifas sobre o aço e alumínio canadiano – e os apelos ao controlo da fronteira.

“A situação está muito má no Texas e as viagens através da fronteiras só nos trariam problemas no norte de Taumalipas, avisou recentemente o governador do estado mexicano, Javier García Cabeza de Vaca, citado pelo Washington Post – o próprio governador já deu positivo ao novo coronavírus.

Segundo a própria embaixada dos EUA no México, centenas de milhares de pessoas têm cruzado a fronteira, apesar de serem apenas permitidas viagens essenciais, pelo menos até 21 de julho. O problema, é que os motivos das visitas raramente são questionados pelos guarda-fronteiriços mexicanos: como tal muitos norte-americanos viajam para passar o fim-de-semana fora ou ir às compras.

A situação chegou a tal ponto que, no fim-de-semana passado, os habitantes de Sonoyta usaram os seus próprios veículos para bloquear a estrada que leva à praia de Puerto Peñasco, muito popular entre turistas. Agora, planeiam fazê-lo de novo este fim-de-semana.

“Convidamos os turistas dos EUA a não visitar o México”, disse em comunicado o presidente da Câmara da cidade, José Ramos Arzate. “Isto é para salvaguardar a saúde da nossa comunidade, face à aceleração da taxa de transmissão de covid-19 no vizinho estado do Arizona”, salientou.

 

Catástrofe De facto, o surto no Arizona é um monstro muito particular: o estado está com uma taxa de transmissão que é o triplo da média nacional, e até o dobro de outros estados muito atingidos, como o Texas. E precisamos de ter em conta, quase de certeza, boa parte das infeções estão a passar debaixo do radar. É que o Arizona está a fazer testes indiscriminados, sem recorrer a rastreamento de surtos ou caso a caso, e mais de um um quarto deles dá positivo – as indicações do Governo federal falam em menos 5% de resultados positivos como um bom indicador.

O caos nos hospitais do Arizona pinta uma imagem terrível da situação: no início deste mês, foi o primeiro estado a ativar protocolos para ajudar médicos e enfermeiros a decidir quem tratar e quem deixar morrer.

Falamos de um estado cujo governador, o republicano Doug Ducey, apenas apelou à população que usasse máscaras a meio de junho. E, em maio, Ducey ainda declarava à imprensa coisas como: “Quero encorajar as pessoas a sair e passear por aí, levar um ente querido a jantar, ir às compras às lojas”.

Entretanto, há mais de 100 mil infeções registadas no Arizona, com quase duas mil mortes. Dado que maioria dos casos são recentes e mais de 94 mil estão ativos, as mortes deverão escalar nas próximas semanas. 

Contudo, importa notar que, se facto os EUA são o país mas afetado com o vírus, algo que tem sido relacionado com a inação da Administração Trump, bem como as reticências de alguns governadores mais conservadores em agir, também há dedos a apontar à resposta mexicana. Sim, o país está com uma taxa de contágio muito inferior aos EUA – mas tembém tem uma taxa de testagem per capita terrivelmente baixa, que ontem era quase 25 vezes inferior à portuguesa ou norte-americana.