Mesmo antes do início da pandemia e do estado de emergência, mesmo antes até da aprovação do Orçamento do Estado, houve o início da discussão dos projetos de lei sobre a Eutanásia. Quando veio o vírus suspendeu-se tudo!
O projeto foi aprovado e desceu para ser discutido em sede de especialidade. Agora caberá a alguns ouvirem os diferentes organismos da sociedade civil e fazer o esboço final que servirá de base para a elaboração de uma lei a ser aprovada pela generalidade dos deputados.
A sociedade civil juntou-se, apesar do período de confinamento, e recolheu quase perto de cem mil assinaturas para pedir um referendo sobre esta matéria. No fundo, perguntar aos portugueses se querem que o Estado português possa proporcionar gratuitamente o acesso ao suicídio assistido mediante algumas condições.
Este foi o último recurso, tendo em vista o avanço do Projeto Lei. A generalidade dos deputados, apesar de não terem inscrito nos programas eleitorais que foram a escrutínio, votaram a favor da regulamentação da eutanásia.
No fundo, para que não vá para a frente a lei sobre a Eutanásia, só haverá uma de três soluções: na votação final, o projeto ser rejeitado pelos deputados; uma vez aprovado ser rejeitado pelo Presidente da República; ou ir a referendo e ser rejeitado pela sociedade civil.
Na última semana foram recebidos pela Comissão Constitucional de Direitos, Liberdades e Garantias, o Grupo de Trabalho Inter-Religioso Religiões-Saúde a fim de se pronunciar sobre a questão da eutanásia e também a Associação de Médicos Católicos. Na mesma semana foi também recebida a Associação de Juristas Católicos. Todos eles com a mesma posição: não à eutanásia.
Há já algum tempo, a Ordem dos Médicos veio dar também a sua posição frente à possibilidade de aprovação da Lei sobre a Eutanásia: os médicos salvam vidas. No fundo, o mesmo é dizer um redondo não à legislação que será aprovada.
O que irá acontecer? Para já não podemos ter a certeza… mas podemos imaginar que, com a pouca cultura democrática que temos, não nos seja concedido o direito de votar em referendo.
Há diferentes países europeus que envolvem cada membro da sociedade civil na responsabilidade de fazer política e de tomar decisões políticas através do uso do referendo. Há vários assuntos que tocam a cultura desses países e que os políticos pensam que devem consultar pessoalmente os seus eleitores.
Não me parece que a vida seja uma matéria a ser referendada, quer dizer, a vida humana não pode ser objeto de uma decisão referendária. A decisão sobre questões que colocam em causa a vida humana – desde o nascimento até à morte natural – nunca deveriam de ser objeto de uma consulta, porque a verdade da vida não pode nunca ser posta à consideração de cada um. Porém, este é o único instrumento de que a sociedade portuguesa tem, neste momento, para poder travar um processo que foi já iniciado.
A função de uma sociedade nunca passa por conceder a morte a quem sofre, mas por conceder o conforto a quem ainda vive no sofrimento. Estes são valores inegociáveis de uma civilização que nenhuma cultura deveria por em causa.
Hoje temos instrumentos técnicos que podem minorar os sofrimentos, as dores e as angústias de quem está doente. Porém, temos menos capacidade de sofrer. Culturalmente rejeitamos o sofrimento como fazendo parte de todas e de qualquer fase da nossa vida. Por isso rejeitamos tudo o que nos faça sofrer.
Não se trata de assumir para um país os valores religiosos de qualquer igreja ou religião, mas de assumir para todos uma cultura que nos ajude a ser homens.