Iniciei estes artigos de opinião semanais quando tomei posse como deputada. Queria dar conta do trabalho desenvolvido na Assembleia da República, ocupando-me das áreas onde sentia que podia contribuir. Trabalhei matérias da arquitetura, da dignidade da construção, do planeamento do território e da qualidade nas cidades à luz das metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Estudei propostas, revi regulamentos, ouvi pessoas, questionei entidades e, em consequência, fui fazendo várias perguntas e propondo as alternativas que me pareceram mais justas.
O maior obstáculo na minha ação foi a falta de disponibilidade do Governo para responder com eficácia a perguntas diretas, ou até para facilitar o elementar acesso à informação. Assim, acabei por dedicar grande parte do meu tempo à procura de factos. Factos, como o estranho caso do Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado para onde se foram remetendo milhões sem qualquer concretização no terreno. Factos, como a alteração discricionária de vários planos urbanísticos em vigor. Factos, como a recusa de divulgação imediata da lista dos edifícios públicos com amianto em estado de degradação perigoso para a saúde pública. Factos, como a impossível desvalorização dos terrenos do Novo Banco em Lisboa quando o mercado imobiliário ultrapassava todos os valores de venda máximos. Factos, que quem percebia do assunto, entendia. Factos, que nem as mentes mais criativas conseguiam transformar em alternativas. Factos, que demonstravam como aquilo que o Governo dizia, não correspondia ao que escrevia, e ainda menos ao que fazia.
Hoje, nesta era de notícias falsas onde a mentira é cavalgada à velocidade das redes sociais, a investigação, identificação e procura de factos tornou-se o meu método preferencial para existir como deputada da oposição. Em 2018, na celebração do dia de Mandela, Barack Obama enunciava o desafio da ação política nesta era, «as pessoas inventam qualquer coisa e perderam a vergonha de serem apanhadas a mentir». Alertava que «tal como quando se negam direitos, negar factos é correr contra a própria democracia». Assim, iluminar factos pareceu-me ser a melhor defesa que podia fazer da democracia, nas atuais circunstâncias.
A princípio foi desmobilizador; no entanto, reencontrei força no empenho que os meus colegas deputados e deputadas colocavam na defesa dos seus territórios e das suas bandeiras. Partilhámos longas horas para questionar o Governo sobre tudo, desde o hospital do Algarve, à equidade no arrendamento, às comunicações em Bragança, à violência doméstica, à paisagem da Sertã, ao cabo submarino de fibra ótica que serve os Açores, às Grutas de Mira de Aire ou à fronteira de Valença. Com ou sem respostas do Governo, fomos a voz na Assembleia da República de quem votou em nós.
A partir desta semana, acompanhando a interrupção da atividade parlamentar assinalada ontem pelo debate do Estado da Nação, interrompo este espaço semanal. Aproveitarei para trabalhar propostas já imaginadas e para antecipar os riscos daquele que pode ser um dos mais duros invernos, com uma pandemia por controlar sobreposta a uma crise económica. É preciso estarmos bem alerta quando aumentam os pedidos de apoio à fome ou quando alguns enfrentam o frio mortal confinados em casa com a solidão. Vivemos hoje tempos onde não se vai lá com palavras, por melhores que sejam. Falar não é fazer.