Ciclovias. Plano acelera e surpreende lisboetas

A Câmara de Lisboa fez ‘nascer’ mais 15 quilómetros de ciclovias na cidade nas últimas semanas. As novas opções têm gerado a supresa e a crítica dos automobilistas, e (duras) trocas de argumentos entre responsáveis.

Num piscar de olhos, Lisboa passou a coabitar automóveis, transportes públicos, motas, motorizadas, bicicletas e trotinetas em muitas das suas principais (e movimentadas) artérias. Em poucas semanas, foram concluídos mais 15 quilómetros de ciclovia na cidade, uma solução que, porém, não agradou a muitos. Ao SOL chegaram queixas – e alertas para situações de evidente perigo – que têm vindo a aumentar nos últimos dias.

A Câmara de Lisboa decidiu acelerar o seu plano de execução das ciclovias – que terão 200 quilómetros no primeiro semestre de 2021 –, apanhando de surpresa muitos automobilistas e peões, que, em alguns casos, se deparam com novas faixas exclusivas para bicicletas, pintadas a branco no asfalto, delimitadas por milhares de pinos, praticamente da noite para o dia.

Aconteceu, precisamente assim, recentemente, na Rua Castilho, na Rua Marquês de Fronteira, na Avenida de Berlim, na Avenida Cidade de Bissau, na Avenida Paulo VI, na Avenida de Pádua, na Avenida Cidade de Luanda ou na Avenida Almirante Reis.

O caso das novas ciclovias na Avenida Cidade de Luanda e na Avenida de Pádua (aos Olivais), por exemplo, têm gerado dúvidas entre os automobilistas e, mesmo em tempos de menor tráfego, já causaram vários acidentes. E situações confusas que aumentam a sensação de insegurança de quem segue ao volante.  A falta de hábito (e de bicicletas a passar no local) não alterou os costumes dos  automóveis e transportes públicos, colocando em causa a própria utilidade do equipamento. Os carros continuam a estacionar junto aos passeios, em cima das ciclovias; enquanto o cruzamento entre as avenidas introduziu um novo elemento que, em qualquer direção, é preciso ‘invadir’ para se poder olhar convenientemente quem segue, vindo de cima ou de baixo, antes de se poder voltar a colocar o pé no acelerador e seguir viagem.

O mesmo acontece com a partilha de faixas de rodagem entre automóveis, transportes públicos e bicicletas, como já acontecia, entre críticas, na Avenida Duque de Ávila, considerada por muitos o troço de ciclovia mais perigoso da cidade – onde coabitam faixas de bus e de automóveis, fila de estacionamento, ciclovia e passeio para peões (tudo em menos cerca de 20 metros de largura).

Agora, o mesmo também acontece na Avenida Almirante Reis, ainda mais movimentada e menos larga. A opção, aqui, passou pela divisão ao meio da avenida  entre motorizados e bicicletas, o que tem dificultado a circulação de autocarros e ambulâncias, obrigadas a ocupar faixas alheias (situações divulgadas e tornadas virais na internet), e promete agravar os condicionamentos de trânsito após as férias, numa via por onde diariamente passam dezenas de milhares de veículos.

As dúvidas face às ciclovias motivaram mesmo a criação de uma petição pública pela suspensão imediata do plano. Os promotores criticam o que consideram ser «uma política de ‘ciclovização’ desenfreada e insensata da cidade de Lisboa, ‘semeando’ ciclovias por toda a cidade com pouco critério e eliminando faixas de rodagem, assim obstruindo o trânsito de ambulâncias, táxis, autocarros e outros veículos essenciais, e claro, dos veículos automóveis privados, meio de transporte de muitos dos utentes da via pública». «É, pois, imperioso que a politica actual de instalação de ciclovias em Lisboa seja suspensa e que toda a politica de vias públicas para a cidade seja repensada, auscultando a vontade dos seus utentes pelas formas previstas na lei», afirmam. Até ao fecho desta edição, a petição já contava com  901 assinaturas.

 

Carlos Barbosa critica

Uma das vozes mais críticas em relação a este processo é a de Carlos Barbosa, presidente do Automóvel Club de Portugal (ACP), que sublinha ao SOL ser «a favor das ciclovias, mas contra a forma como têm sido feitas em Lisboa, sem  recurso a qualquer estudo prévio».

Carlos Barbosa até admite que «houve coisas que foram bem feitas, de facto, como é o caso da ciclovia da Avenida da República», mas tece palavras  duras quanto às «opções incompreensíveis na Avenida Duque de Ávila, na Rua Castilho , na Avenida Almirante Reis ou na Avenida Cidade de Luanda, por exemplo, em que tudo foi feito sem qualquer lógica».

«O problema é que as opções são todas tomadas pelo vereador Miguel Gaspar, um talibã das bicicletas, que só pensa nas bicicletas, e pelo presidente da câmara municipal Fernando Medina. E fazem-no porque estão fixados em imitar o que se faz lá fora, no estrangeiro, por profissionais capazes, e em cidades que têm condições completamente diferentes das que encontramos em Lisboa», afirma ao SOL.

O gestor – e também vereador municipal na capital pelo PSD  –, considera que «existe uma total ausência de estudos para justificar os locais onde estão a ser feitas as ciclovias, e o que se tem visto é apenas uma ideologia a sobrepor-se à lógica». «Se a Câmara de Lisboa quiser, o ACP até está disponível para ceder os seus estudos e conhecimento, para ajudar na concretização deste plano corretamente», conclui.

 

Miguel Gaspar relativiza

Ao SOL, Miguel Gaspar, vereador da Câmara de Lisboa, explicou que a execução do plano de ciclovias foi, de facto, acelerado, «com o objetivo de, em setembro – e como regresso da escola, a que está afetado muito do tráfego em Lisboa –, a cidade possa estar mais bem preparada para enfrentar uma nova normalidade».

O vereador da capital com o pelouro da mobilidade admite que existem críticas ao plano, mas considera que as mesmas «se devem ouvir, mas também relativizar». «São coisas normai, que acontecem sempre quando existem mudanças significativas. Também houve uma providência cautelar para impedir o fecho do Terreiro do Paço aos carros ou críticas ao plano de reconversão da avenida da República. Hoje, não acredito que alguém considere estas opções erradas, ou quisesse voltar atrás», afirma.

Olhando para o futuro, Miguel Gaspar diz acreditar «que, neste momento, há uma forma diferente de as pessoas viverem a cidade [no pós-estado de emergência] o que se prova pelo número recorde de pessoas a circular de bicicleta na avenida da República, após o desconfinamento» – uma convicção que justifica, inclusive, o lançamento pela autarquia de um programa de apoio à aquisição de bicicleta (até 50% para velocípedes convencionais), com dotação financeira de três milhões de euros.

Questionado pelo SOL sobre as queixas, o vereador assegura que «a Câmara tem vindo a ouvir comerciantes e moradores, e já melhorou, e continuará a melhorar, muitas situações» em vários locais. Quanto às palavras de Carlos Barbosa, Miguel Gaspar recorda que «o deputado municipal do PSD Carlos Barbosa tem, ele próprio, uma bicicleta, que diz não usar por se sentir inseguro nas estradas de Lisboa. Estamos precisamente a trabalhar para que também Carlos Barbosa possa, se quiser, andar de bicicleta na cidade», ironiza.