Diz-me quem és…

Não somos só fado, futebol e Fátima. Somos um pequeno país, mas uma grande Nação!

por Filipa Moreira da Cruz

Lá em casa sempre se conversou muito. Das coisas importantes, mas também das supérfluas. Dos medos, das injustiças, dos tabus. Das conquistas, dos sonhos, das derrotas. Tantas madrugadas passadas a rir e a chorar! Também se liam muitos livros e contavam-se muitas histórias. A noite é propícia a confidências e ajuda a desfazer alguns nós atados ao longo do dia.

Vários amigos estrangeiros (com exceção dos espanhóis e dos italianos) não entendem esta necessidade de falar e julgam que os portugueses têm resposta para tudo. Talvez tenham razão. Será o resultado de tantas gerações privadas da liberdade de expressão? A nossa democracia é recente. Ficamos sem voz durante tanto tempo que, assim que nos foi permitido opinar caímos na tentação de manter a língua solta. Mesmo quando o melhor é ficar calado.

Esta esquizofrenia bipolar parece estar no nosso ADN. Somos os mais críticos e exigentes connosco próprios. No entanto, não admitimos que gente alheia nos chame à razão. Afinal, quem pensam que são? Às vezes fazemo-nos pequenos, carecemos de autoestima e evitamos celebrar as nossas vitórias. Isto dentro do nosso país, claro! Quando viramos costas à nossa terra passamos a ser os melhores em tudo. Milagre português! Talvez seja uma questão de necessidade. Ou de perspetiva. Os nossos vizinhos espanhóis (para dar um exemplo), gabam-se até do que não têm, enquanto os portugueses dificilmente reconhecem os seus feitos. A realidade tem vindo a mudar, lentamente. Ao ritmo lusitano.

Num país com pouco mais de dez milhões de habitantes proliferam os pseudo. De repente, todos são médicos, políticos, advogados, professores, jornalistas, treinadores de futebol. É tão fácil criticar tudo e todos frente ao ecrã de televisão, de telemóvel na mão ou a martelar o teclado do computador. Não há nada melhor que dar palpites, sobretudo quando se desconhece o contexto. Preencher um quadro inteiro com tinta azul é tão simples, não é? Mas por que razão foi Klein o único a ter a ideia? Que prazer sentem aqueles que se escondem por detrás de amor355 ou kubik07 quando ofendem, denigrem, magoam. E isto com erros ortográficos e palavrões à mistura. Há palavras que quase matam. Felizmente, são poucas. A maioria não fere ouvidos contra todos os riscos.

Se cada um seguisse a sua vidinha sem fazer barulho o mundo deixaria de ter graça. Gostamos do espalhafato, do drama e do exagero. Seguimos de perto esta telenovela em direto, cujos atores são os mesmos do costume, mas que quase ninguém perde tempo em conhecer. As emoções estão ao rubro quando se desvenda um segredo. O salário de um apresentador de um programa de entretenimento é mais importante que uma nova restrição do Governo. Porque sim. E pouco importa se o ordenado mínimo continua a ser escandalosamente baixo, se a gasolina não para de aumentar, se a corrupção atinge níveis preocupantes e se os bancos continuam a roubar com a ajuda dos que mandam no país. Tudo isso é secundário enquanto tivermos o Cristiano Ronaldo e a Cristina Ferreira como embaixadores mediáticos de um país que vive de sol e de água fresca.

Ainda assim nem tudo é mau. Não somos só fado, futebol e Fátima. Somos um pequeno país, mas uma grande Nação! E que ninguém nos convença do contrário!