O acordo foi considerado por importantes figuras católicas – como o antigo arcebispo de Hong Kong, o Cardeal Joseph Zen, como uma rendição e uma traição aos católicos chineses, submetidos a perseguições desde a tomada do poder por Mao Tse-Tung, em 1949, quando o governo comunista determinou o corte de relações com Roma aos católicos chineses, e chamou a si a autoridade para escolher os bispos.
Desde João Paulo II que a Santa Sé fez esforços para retomar relações diplomáticas com Pequim e Bento XVI, em 2007, apelou à unidade entre os milhões de católicos “oficiais”, frequentadores das igrejas controladas pelo poder político e os outros milhões da Igreja do Silêncio. Os primeiros acham-se representados pela chamada Associação Católica Patriótica Chinesa, apoiada pelo Governo. Diversos conflitos entre bispos nomeados com o acordo do Governo e outros da confiança de Roma foram-se repetindo. O cardeal Zen, em audiência com o Papa Francisco, pediu-lhe que ponderasse o que considerava uma total rendição ao governo e ao partido comunista.
Em vésperas das conversações sobre uma matéria tão complexa e delicada, o New York Times publicou, em 28 de Julho, um artigo segundo o qual hackers chineses ter-se-iam infiltrado na rede de computadores do Vaticano – bem como da diocese de Hong Kong e de outras instituições católicas.
A notícia é chocante mas não surpreendente, pois, está na linha de imposição de controlos mais apertados às comunidades religiosas pelo Governo e pelo Partido Comunista Chinês, dentro de um projecto iniciado em 2018, de vigiar e reprimir qualquer dissidência a partir das comunidades religiosas. Este é um projecto do Partido Comunista Chinês (PCC) prosseguido através do chamado Departamento para a Frente Unitária do Trabalho, para atrair e controlar organizações da sociedade civil como comunidades religiosas. Segundo os articulistas do NYT, o Governo e o Partido têm recorrido a ciberataques para recolher informações e perturbar as actividades de comunidades religiosas e “etnicamente” suspeitas, como os budistas tibetanos e os muçulmanos Uighurs, mesmo fora da China.
O ciberataque ao Vaticano foi descoberto por peritos da companhia Recorded Future, sediada nos Estados Unidos, em Summerville, Massachusetts. Segundo os peritos da Recorded Future, as intromissões começaram em Maio deste ano. Aparentemente, nas vésperas das negociações, Pequim pretende conhecer o pensamento e a estratégia dos altos responsáveis pela diplomacia do Vaticano, como o Secretário de Estado Pietro Paroline, a segunda pessoa, depois do Papa, da Santa Sé, e do Arcebispo Claudio Maria Celli, o principal negociador dos Acordos.
Segundo a Recorded Future, o ataque foi operdo por uma empresa informática controlada pelo PCC, a Red Delta, usando novas e sofisticadas técnicas de penetração informática.
Escusado será dizer que, embora os porta-vozes do Vaticano não se tenham até agora pronunciado sobre o tema, a Santa Sé não pode ficar indiferente a este acto de espionagem. O Papa Francisco, procura não hostilizar Pequim, mantendo, por exemplo, silêncio sobre o tratamento aos Uighurs, mostrou-se preocupado e crítico sobre a questão da supressão das liberdades na China. No rascunho da sua mensagem para a Benção de 5 de Julho na Praça de S. Pedro, havia uma referência específica à situação de Hong Kong, que implicava indirectamente uma crítica a Pequim. Mas essa parte do texto foi retirada em cima da hora, e não foi lida.
A questão da nomeação e reconhecimento dos Bispos na China é, nesta ocasião, o tema central da negociação, em que se esperava, nomeadamente, um acordo sobre a nomeação e em que se espera um trade-off: o Vaticano levantaria a excomunhão dos bispos “oficialistas” e reconhecê-los ia. Em troca, haveria alguma liberdade e independência para os cerca de 12 milhões de católicos chineses, que são tratados como uma minoria suspeita pelas autoridades as quais entre outras acções hostis, têm obrigado, em algumas províncias, à retirada das cruzes dos templos.