Elísio Summavielle, Presidente do CCB
Vivemos tempos duros de crise e pandemia, estamos a passar por coisas que nunca nos aconteceram, e ao fim de dois meses numa espécie de «prisão domiciliária», com ruas, estradas e fronteiras fechadas, há medos que naturalmente se instalaram na vida das pessoas, tornando-as mais vulneráveis. Manda a prudência que se observem as regras e os limites que esta peste nos impôs, não tanto pelas certezas que temos mas talvez mais pelas incertezas que teimosamente persistem. O chamado «desconfinamento» não o é de facto, porque a «distância social» não é própria dos humanos, porque ao fim de uma hora com a máscara sentimos um incómodo terrível, enfim, porque tudo isto nos falece a liberdade. Quer isto dizer que este ano, mais do que nunca, o nosso tempo de férias deve ser aproveitado da melhor forma, para que de algum modo consigamos exorcizar este colete-de-forças deprimente, e sobretudo para que fiquemos mais fortes para enfrentar uma invernia que para já não se adivinha simpática.
Por ironia estas férias, que resultam de uma recomendação sanitária, vão ao encontro daquilo que defendo há alguns anos (também por razões «sanitárias», mas de outra ordem), ou seja, recomenda-se que gozemos as férias cá dentro, na nossa terra. Ainda bem, é uma opção acertada. Com algumas décadas de património cultural na minha vida profissional conheço razoavelmente bem o país, mas tenho quase a certeza de que a maioria dos nossos concidadãos não vivenciou devidamente a diversidade das nossas paisagens culturais, destes 308 concelhos de «homens-bons», as vilas, as arquiteturas, as artes, as pessoas, a festa, os cheiros e os sabores. Somos um país pequeno em escala, mas fortemente contrastado por paisagens diversas, na natureza e na cultura, com regiões dominadas e desenhadas pelo calcário, pelo xisto, e pelo granito. Patrimonialmente, Portugal é um caso único na velha Europa, num contexto muito pouco valorizado, e que vem do facto de não termos passado pela destruição do nosso edificado durante as duas guerras mundiais do século passado. As construções estão aí, em melhor ou pior estado mas de pé, autênticas, e com todo o potencial de resgate intacto. Faltam as pessoas no chamado «interior», um dado temível causado por décadas de imediatismo e modelos errados de desenvolvimento; mas acreditemos que crises como esta podem abrir caminhos diferentes que revertam essa fatalidade, com cultura, conhecimento, boas estratégias e firmeza. Nunca me canso de repetir que o mais importante dos patrimónios são as pessoas.
Por este ano esqueça a praia e entre em férias com planuras e serranias pela frente. Lance-se à estrada a partir do sul, e rasgue o país pela fantástica EN n.º 2 (Faro-Chaves). Evitemos as autoestradas e as vias rápidas, deixemo-nos levar apenas pelas estradas antigas. Não nos preocupemos com horários e com reservas de alojamento, porque onde quer que se ande há sempre lugar para dormir, disso tenho a certeza absoluta, já que «quem tem boca vai a Roma» e as pessoas são sempre uma boa descoberta.
Na serra do Caldeirão, em nenhures, procure saber se existe por ali algum medronho do bom que possa levar consigo para momentos especiais. Entre assim no montado alentejano, por Almodôvar, Castro Verde (visite a basílica), e quando passar em Viana do Alentejo dê uma mirada ao santuário da Senhora de Aires e vá a Alcáçovas. Siga adiante por Montemor e depois, mais acima, no vale do Sorraia pare para se refrescar em Coruche. Depois vá por Mora, e se puder visite a Torre das Águias, em Brotas. Claro está, sem esquecer a magia dos sabores alentejanos. Passadas a bela Avis e Ponte de Sor, a partir de Abrantes a paisagem vai mudando serenamente, estamos no centro, e depois do Sardoal, onde in situ é obrigatória a pintura dos ‘mestres do Sardoal’, passemos um pouco pela Lousã, Góis, Mortágua, e se quiser ver o xisto no seu esplendor desvie-se para a direita e vá ao Piódão. Volte depois à n.º 2 e entre na recortada região de Lafões, da vitelinha e do Dão, com Viseu, a pintura Grão Vasco, S. Pedro do Sul, de belíssimas termas romanas, e depois continue até entrar nas terras do demo e na paisagem duriense, a qual, para além da monumentalidade da natureza, nos deu enormes escritores. Depois de visitar Lamego não deixe de ir a S. João de Tarouca descansar o olhar nas mais belas ruínas conventuais da nossa terra. Espreite Salzedas. Em Vila Real vá ao solar de Mateus. Por fim chegamos a Chaves, a serena Aquae Flaviae dos romanos, o fim da estrada. Ou não, porque se ainda não esgotou as férias, deixe-se tentar por fazer a raia fronteiriça em direção ao sul, de Valença do Minho a Castro Marim, por Montalegre, Bragança, Miranda, Mogadouro, e Castelo Melhor. Visite o museu do Côa, Marialva, e em Almeida não perca a melhor ginjinha do mundo, na ‘Amelinha’. Continue pelo Sabugal, Idanha-a-Velha, Monsanto, Marvão, Elvas, Monsaraz, Barrancos (Noudar), Mértola… É verdade, Portugal é um mundo. Boas férias.