por João Amaral Santos e Pedro Almeida
Ana Martins, 39 anos, seguia na primeira carruagem do Alfa Pendular que no dia 31 de julho descarrilou, depois de colidir violentamente com um veículo de manutenção da Infraestruturas de Portugal (IP) na Linha do Norte, perto de Soure, no distrito de Coimbra. Ana Martins foi uma das três pessoas feridas com gravidade que se mantiveram internadas durante a última semana no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC) – para além do maquinista, em estado mais grave, e de outra mulher, também passageira do comboio. Ana teve alta na última quarta-feira, dia 5. Em casa, ainda a recuperar das mazelas, falou ao SOL desta experiência que, certamente, não mais esquecerá. "Foi um grande susto!", começou por dizer.
Ana Martins é natural de Coimbra, mas vive entre Bruxelas e Estrasburgo há vários anos, onde trabalha no Parlamento Europeu. Antes de apanhar o comboio entre Lisboa e Coimbra perguntou no Facebook, como é seu hábito, se algum amigo faria, naquela sexta-feira de final de semana, o percurso para cima. "Quem vai?", perguntou. Desta vez, ao contrário de tantas outras, não havia boleia disponível. "Vai o comboio!", respondeu, bem-humorada, uma das suas amigas com um piscar de olho.
Ana Martins viajava com a sua filha de seis anos e tudo corria normalmente. Perto do destino final, um homem esbracejando e aos berros irrompeu da parte da frente da carruagem alertando para algo que, à primeira, nem Ana, nem outros passageiros, conseguiram perceber do que se tratava. "Aconteceu tudo muito depressa: vi um homem a entrar na nossa carruagem a correr (creio que seria o maquinista), talvez por se ter apercebido de que o acidente ia acontecer". Não houve tempo. E imediatamente depois, deu-se o embate. "Seguiu-se um estrondo enorme e depois o comboio descarrilou". Os corpos de Ana e da sua filha voaram disparados pelo ar, cada um na sua direção. "Foram momentos de pânico, acentuados pelo facto de me encontrar ferida".
A carruagem arrastou-se numa amálgama de chapa por cerca de 500 metros. E quando parou, Ana correu em busca da sua filha. "Eu viajava com a minha filha de seis anos, por isso a minha principal preocupação foi ela. Felizmente não sofreu nenhum ferimento grave – apenas um corte no lábio".
Ana sentiu imediatamente que alguma coisa não estava bem. O seu pescoço inchou, rapidamente, talvez para o triplo do tamanho normal. E a preocupação nos rostos das primeiras pessoas a chegarem ao local confirmou a gravidade da situação. "Embora não tenha bem noção do tempo, creio que a assistência médica chegou de forma relativamente rápida. Lembro-me de que montaram um hospital no local que me pareceu bem organizado. Depois fui transportada para o CHUC, onde fiquei internada nos cuidados intermédios juntamente com outra vítima do acidente".
Ana passou quase uma semana na cama do hospital, onde recebeu a visita do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. "Passei os últimos dias rodeada por profissionais de saúde excelentes. Agora o mais importante, e também o disse ao professor Marcelo Rebelo de Sousa quando nos visitou, é entender exatamente o que se passou e apurar responsabilidades".
Duas mortes, oito feridos graves e 36 ligeiros
O descarrilamento do comboio Alfa Pendular, no concelho de Soure, que transportava um total de 212 passageiros, provocou duas mortes, oito feridos graves e 36 feridos ligeiros. Uma mulher que ainda se encontra internada em cirurgia continua a evoluir favoravelmente, e espera-se que tenha alta em breve. O maquinista do Alfa Pendular, por sua vez, continua internado na unidade de medicina intensiva, com prognóstico reservado, mas "estável"
, depois de ter registado "melhorias que eram expectáveis" durante a semana, informou na sua última atualização da situação o hospital. Os dois ocupantes do veículo da IP que encontrava na linha morreram no local do acidente.
Investigação prossegue
O Ministério Público (MP), recorde-se, está a investigar o descarrilamento do comboio, segundo confirmou a Procuradoria-Geral da República (PGR), que à Lusa sublinhou que o inquérito foi aberto na primeira secção do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Coimbra. "O MP é coadjuvado pela Polícia Judiciária", acrescentou. Além disso, também a IP já havia divulgado a abertura de uma investigação interna ao acidente.
E, devido a várias acusações, o presidente da IP, António Laranjo, quis deixar claro que a empresa pública "deu cumprimento a todas as recomendações" do GPIAAF, negando o que foi avançado pelo jornal Público – em 2018, o GPIAAF já havia dado algumas recomendações de forma a evitar acidentes relacionados com o desrespeito de sinais vermelhos.
"Há informação que não é correta relativamente ao não cumprimento por parte da IP das recomendações do GPIAAF emanadas em relatório para o incidente em janeiro de 2016 – na estação Roma-Areeiro. Queremos aqui afirmar que a IP deu cumprimento a todas as recomendações emanadas por aquela entidade que se mostraram de implementação imediata e tem vindo a promover os procedimentos necessários para a execução das restantes", esclareceu, em conferência de imprensa, aludindo a um acidente de há quatro anos – um camião ficou imobilizado a meio da passagem de nível por não ter conseguido fazer a manobra a tempo de sair do canal ferroviário, provocando a morte do ajudante do motorista.
No entanto, a Federação dos Sindicatos de Transportes e Comunicações (Fectrans) pediu a demissão da administração da IP, por esta "ter antecipado as conclusões do inquérito". "É altura de o Ministério da tutela substituir esta administração incapaz de dar prioridade a um assunto importante para evitar acidentes ferroviários e devolver à ferrovia o que é da ferrovia", atirou.
Entretanto, o Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT) suspendeu a circulação de veículos de manutenção da ferrovia, como aquele que colidiu com o Alfa Pendular.
De acordo com o Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários (GPIAAF), recorde-se, a máquina que estava a realizar trabalhos, em Soure, passou o sinal vermelho e ocupou a linha do Norte, tendo sido depois abalroada pelo comboio.