Os centros de dia podem começar a receber idosos a partir deste sábado, ainda que as orientações da Direção-Geral da Saúde para estas instituições deixem algumas dúvidas. Não é claro, por exemplo, se os utentes serão obrigados a usar máscara.
A opção de reabrir os centros de dia é vista com bom olhos, até porque muitos idosos estão em casa, a maioria isolados, desde o dia 16 de março. Ao SOL, Ricardo Pocinho, presidente da Associação Nacional de Gerontologia Social, defende que «os centros de dia já deveriam ter aberto há algum tempo, sobretudo quando foi ultrapassada a fase de confinamento e as visitas foram permitidas nas Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas».
«O encerramento dos centros de dia catapultou milhares de idosos para uma situação de isolamento, de solidão, onde viram diminuir as suas capacidades de mobilidade e viram agudizar as suas patologias, sobretudo ligadas às questões emocionais, psicológicas», acrescenta Ricardo Pocinho. Agora, perante as orientações enviadas pela tutela, o presidente da Associação Nacional de Gerontologia Social defende que cabe às instituições avaliar as suas capacidades, quer a nível de recursos humanos, quer a nível de recursos materiais. Uma das medidas que deverá ser adotada pelos centros de dia passa por pedir o relatório médico a cada utente para que a instituição tenha conhecimento do estado cliente de cada pessoa que recebe. «A situação que os idosos vivenciaram é extraordinariamente pior do que o risco que se podem correr e as instituições têm agora muito mais conhecimento para poderem responder a esta necessidade», defendeu Ricardo Pocinho.
Como se tem verificado com os lares, defende o especialista em gerontologia, haverá centros de dia que vão cumprir as regras e outros que não vão cumprir. Pede-se «bom senso» na hora de avaliar. Até porque os centros de dia vão reabrir em plena altura de férias, o que pode comprometer os recursos humanos em muitas instituições.
Na Área Metropolitana de Lisboa, os centros de dia não vão reabrir para já. A decisão foi tomada esta quinta-feira, durante a reunião do Conselho de Ministros, e é justificada pelo facto de a área de Lisboa se manter em situação de contingência até ao final do mês de agosto. No resto do país, depois de feita uma avaliação e fiscalização, que está a cargo da Segurança Social, os centros de dia podem começar a reabrir de forma faseada.
Mas Ricardo Pocinho alerta para questões que ainda não têm resposta: «Os idosos, agora nos centros de dia, vão usar máscara ou não vão usar máscara? Vão trazer essa máscara de casa ou ela é fornecida pela instituição? Quantas máscaras tem o utente de usar durante o dia?».
Lares: faltam recursos de todos os tipos
Os surtos identificados em lares tendem a não desaparecer, mas há diferentes formas de ver o mesmo problema. Sobre o número de casos de infeção por covid-19 nas Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas – esta quarta-feira 69 lares em Portugal tinham identificados casos de infeção –, a ministra da Saúde, Marta Temido, explicou durante a conferência habitual de divulgação do boletim epidemiológico que a evolução da pandemia dentro das instituições para idosos tem sido positiva. Esta melhoria é justificada pela comparação entre agosto e abril, mês em que se registaram infeções em 360 lares.
No entanto, apesar da visão otimista de Marta Temido, há quem tema que o pior está para chegar, sobretudo porque algumas instituições baixaram a guarda no que diz respeito às orientações dadas pela tutela. E as culpas são também atribuídas à falta de fiscalização por parte da Segurança Social, o organismo responsável por estas instituições. «Mal houve oportunidade, foram retomadas as listas de espera dos utentes e criou-se outra situação: é que hoje não existe sequer um quarto de isolamento. Os utentes vão a uma consulta ao hospital e no regresso não podem fazer o isolamento profilático e sete ou 14 dias, porque o lar está a abarrotar outra vez», explica Ricardo Pocinho. Houve também cuidados que deixaram de se ter: Como o número máximo de visitas que podem estar nos lares, ou a entrada de fornecedores dentro das instalações.
A questão dos recursos humanos continua a ser um dos grandes problemas. Esta quinta-feira, o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses denunciou que os enfermeiros do hospital e do centro de saúde do Barreiro foram «coagidos a fazer trabalho extraordinário na Santa Casa da Misericórdia do Barreiro por forma a colmatar a carência estrutural existente». Ao SOL, a enfermeira Zoraima Cruz Prado, do SEP, explica que «a falta de enfermeiros nesta instituição não é de agora, mas não houve preparação do ponto de vista do plano de contingência, estando agora a pedir enfermeiros ao hospital e ao centro de saúde».
Também Jorge Roque da Cunha, secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos (SIM), fala do desvio dos profissionais de saúde do Sistema Nacional de Saúde (SNS) para os lares, uma situação que coloca ainda mais pressão no SNS. Além disso, Roque da Cunha explica que «não faz qualquer sentido que um lar clandestino necessite de testes e que esses testes sejam feitos pelos centros de saúde». O SIM diz que o Ministério do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social «tem como função o licenciamento, a fiscalização, a supervisão dos lares, o próprio financiamento, mas em relação à pandemia tem-se mantido totalmente à margem, passando para a Saúde toda a responsabilidade».
Suspender visitas não é opção
Em Vila do Conde e Póvoa de Varzim, as visitas a lares e a Unidades de Cuidados Integrados foram suspensas depois de identificados vários focos de infeção em utentes e funcionários. No entanto, a DGS não coloca a hipótese de suspender as visitas nos lares a nível nacional. A opção tem, aliás, poucos defensores. Lino Maia, presidente da Confederação das Instituições de Solidariedade, explicou ao jornal i que as infeções que se têm registado não são transmitidas pelas visitas, mas sim «pelo conjunto de situações, nomeadamente por trabalhadores que, naturalmente, têm de estar em trânsito e podem ser veículos involuntários de transmissão».
Tanto o Sindicato Independente dos Médicos como o médico Ricardo Mexia alertam para a necessidade de manter os idosos em contacto com as habituais visitas. «Temos de encontrar soluções, sejam tecnológicas, sejam de separação física, mas que permitam que as pessoas se vejam e que não permitam a passagem da doença», disse Ricardo Mexia, dando como exemplo a possibilidade de ter uma sala onde houvesse uma separação com um vidro. Já Jorge Roque da Cunha defende que «não é solução transformar os lares piores do que prisões».
O caso de Reguengos
Depois de conhecidas as conclusões do relatório da Ordem dos Médicos da auditoria feita ao lar da Fundação Maria Inácia Vogado Perdigão Silva, em Reguengos de Monsaraz, onde morreram 18 pessoas, a fundação veio garantir publicamente que a instituição tinha um plano de contingência. No entanto, o relatório referia que o lar não cumpriu as orientações estabelecidas pela DGS. Numa nota enviada às redações, a fundação garantiu que fez «tudo o que estava ao seu alcance e dentro das suas competências, com a ajuda de várias dezenas de instituições e pessoas que, ao nosso lado, lutaram para salvar vidas humanas, numa crise de saúde pública que assumiu contornos absolutamente dramáticos».
Sobre o plano de contingência, Ricardo Pocinho sublinha que «aquilo que é verdadeiramente preocupante é o número de recursos humanos que foram deixados na instituição, ou que permaneceram lá». «De nada vale ter um extraordinário plano de contingência se depois nada tivermos para o complementar, sejam recursos humanos, sejam recursos materiais», acrescentou.
Um dos problemas neste e também noutros lares do país é a falta de médicos e enfermeiros. E, sobre este assunto, o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP) acusa o lar de Reguengos de Monsaraz de «falhar o compromisso» para a contratação de enfermeiros. «Tendo em conta as declarações públicas do presidente da fundação, que disse que o referencial para a contratação de enfermeiros a tempo inteiro seria o da tabela salarial do Serviço Nacional de Saúde (SNS), concordámos e ficámos a aguardar», disse à Lusa Celso Silva, da Direção Regional do Alentejo do SEP, acrescentando que, no entanto, «nada chegou». «Enviámos dois ofícios e estão sempre a adiar, dizendo que vão enviar, mas o que é certo é que não enviaram nada».