Estou a falar dos adultos e para as crianças que estão a assistir com os olhos cheios de lágrimas de sangue. Para as crianças com as mãos nos ouvidos a gritar para dentro. Para os adultos envoltos num manto negro que os rodeia de manhã, à tarde e de noite. Para as crianças que correm em direção às suas mães caídas no chão gelado, com os olhos tão inchados que mal os conseguem abrir. Para as crianças que fazem de tábua de salvação. Para as crianças que chamam a polícia porque não sabem quando será o último dia de vida das suas mães. Para as crianças que gritam em desespero: – “MÃE!”, mas nunca pelos bons motivos.
Estou a falar para os adultos que caminham de mão dada com o abutre que lhes vai picando a alma em forma de banquete. Estou a falar para a criança que viu a sua mãe sem pulso no chão e se deitou em posição fetal ao lado do seu corpo. Estou a falar para a criança que passou por uma anorexia, por ataques de pânico e sucessivas tentativas de suicídio. Estou a falar para o agora adulto que ainda está preso no corpo dessa criança. Estou a falar para a criança que não percebe porque é que tem de ser retirada da sua casa quando o que sempre viu foi a sua mãe ser agredida por aquele que deveria ser o seu “pai”. Estou a falar para as crianças que trocaram as moradas do coração por moradas falsas (casas abrigo).
Estou a falar dos que se tiveram de tornar “fugitivos” e “fugitivas” porque o Estado não os considera vítimas. Estou a falar para as crianças que não sabem o que é estrutura. Estou a falar para as crianças escondidas nos armários. Estou a falar para os adultos com as pistolas apontadas à cabeça. Estou a falar para as crianças que estão presas ao facto de assistirem à violência doméstica! Estou a falar-vos para que aguentem mais um pouco! Estou a escrever-vos para que peçam ajuda! Estou a falar-vos porque sei que são vítimas! E o Estado também! É altura de mudar tudo o que escrevi em cima! Parar de escrever sobre os danos e começar a escrever sobre as reparações!