Numa altura em que o Governo indiano de Narendra Modi começa a levantar restrições e medidas de isolamento social, a populosa Índia registou o maior número de infeções por covid-19 em 24h horas. Foram mais de 78 mil casos, este domingo, batendo o recorde dos Estados Unidos, de cerca de 77 mil infeções a 16 de julho.
Este aumento pode relacionado com a massiva campanha de testagem levada a cabo pelas autoridades – ainda assim, a taxa de testes per capita continua muito baixa, mais de oito vezes inferior aos EUA e menos de metade do Brasil, os dois países com mais casos que a Índia. Também pode ser o rescaldo das celebrações de Ganesh Chaturthi, um popular festival hindu, que ocorreu a 22 de agosto.
Além disso, aproxima-se outro potencial risco de propagação: mais de 1,5 milhões de estudantes registaram-se fazer os exigente exames nacionais indianos, em setembro. Contudo, não faltam são apelos ao adiamento: esta semana, mais de quatro mil estudantes fizeram um dia de em greve de fome, segundo a All India Students Association.
“Como é que vou chegar ao meu centro de exames? Não há transporte público”, lamentou Manas Chandra, uma estudante do estado de Bihar, que vive a 90 quilómetros do centro mais próximo – para piorar a situação, a região tem sofrido fortes cheias. “E se for infetada, quem vai ser responsabilizado?”, questionou Chandra à BBC. A obrigatoriedade de uso de máscara e luvas não a tranquiliza face à perspetiva de estar três horas sentada numa sala com dezenas de pessoas. Sobretudo quando que o número de casos sob de forma tão alarmante.
Miséria e desigualdade No centro do surto está estado de Maharashtra, o mais rico, urbanizado e desigual, que registou mais de 20% dos casos indianos. É aí que fica a mega-cidade de Bombaim, capital económica da Índia, cujas favelas, conhecidas como o cenário do filme Slumdog Millionaire, estão entre as mais miseráveis do país.
Estes bairros, onde se estima que vivam mais de cinco milhões de pessoas, foram de tal maneira devastados pela covid-19 que se encaminham para a imunidade de grupo. Testes aleatórios, efetuados pelas autoridades locais, indicam quase 57% já tinham sido infetados pelo vírus em finais de junho. No resto da cidade, foram 16%.
Numa área em que o acesso à saúde é difícil ou inexistente, mesmo sem uma pandemia, agora, com a enxurrada de infeções, “se ficares doente estás em sérios problemas”, avisou Harmik Singh, um morador de 31 anos, ao site Scroll. Nem precisa de ser coronavirus: quando a mãe Singh teve uma crise aguda de asma, o mês passado, sete hospitais e quatro médicos privados recusaram-se a admiti-la. Desesperado, Singh entrou de rompante num desses hospitais, com a mãe atrás, recusando-se a sair até que fosse tratada.
Até agora, boa parte do custo humano foi invisível: as autoridades não contam as mortes em casos suspeitos de covid-19, que são praticamente todos os que não vão parar ao sistema de saúde. As estatísticas oficiais “são como a ponta do icebergue”, avisou Hemant Shewade, um especialista de Saúde Pública de Bangalore, citado pela France Press.
Entretanto, o Governo de Modi continua a culpar o aumento dos testes pelo crescimento dos casos de covid-19 e mantém-se decidido a reabrir. Segundo as novas orientações, emitidas este sábado, o metro de Nova Deli – uma cidade onde se estima que mais de um terço da população tenha sido infetada – pode reabrir gradualmente a partir de 7 de setembro, serão permitidos eventos de até cem pessoas, haverá um regresso físico às aulas em regiões de menor risco e deixará de haver restrições a deslocações entre estados.