por Hélio Loureiro
Às vezes, passo horas inteiras
Olhos fitos nestas braseiras,
Sonhando o tempo que lá vai;
E jornadeio em fantasia
Essas jornadas que eu fazia
Ao velho Douro, mais meu Pai.
….
Moinhos ao vento! Eiras! Solares!
Antepassados! Rios! Luares!
Tudo isso eu guardo, aqui ficou:
ó paisagem etérea e doce,
Depois do Ventre que me trouxe
A ti devo eu tudo que sou!
António Nobre, Só
Eu, hoteleiro, me confesso! Sim, do que gosto mesmo é do conforto dos bons hotéis, das camas confortáveis e espaçosas, com aqueles lençóis de mil fios de algodão, das casas de banho cheias de turcos, requintadas, mas sem torneiras daquelas que é preciso ler um manual para descodificar o uso, com room-service, com portaria que funcione, com SPA … sou simples, para mim o que é bom basta.
Assim é fácil viajar: ou tenho dinheiro e vou ou fico em casa. Privilegio o conforto e o serviço, e claro a paisagem, onde desfruto, sempre que posso com deleite de boa companhia, boa comida e excelente bebida. Um bom vinho ou delicioso chá.
O Douro sempre foi daqueles locais da minha preferência e aí sempre encontrei tudo do que gosto. Saindo do Porto apanho a A4 e vou até Amarante onde tomo um chá na varanda da Lailai e desfruto daquela paisagem única sobre o rio Tâmega, a ponte e a igreja de São Gonçalo, imperdível. Depois da lérias, papos de anjo, das brisas e dos foguetes, atravessamos a ponte e recordamos as invasões francesas e a valentia da sua defesa. Entramos no templo onde repousa o Santo, experimenta-se o silêncio, passeia-se pelos claustros, damos a volta e visitamos o Museu Amadeu de Souza-Cardoso.
Numa das tasquinhas da rua 31 de Janeiro compramos uma garrafa de bom vinho, um pão e presunto fatiado, embrulhamos bem e seguimos na estrada rumo a São Leonardo da Galafura sobre o qual escreveu Miguel Torga
São Leonardo da Galafura
À proa dum navio de penedos,
A navegar num doce mar de mosto,
Capitão no seu posto
De comando,
S. Leonardo vai sulcando
As ondas
Da eternidade…
Feche os queixos se nunca lá esteve, pois verá a mais bela das paisagens do Douro. Sente-se num penedo, estenda uma manta – sim, que quem vai ao Douro leva sempre uma manta ao gosto vitoriano – e beba o vinho que retirou do seu cesto de vime e coma o presunto e o pão.
Vai ter de sair, é verdade, agora rumo até Lamego. Hospede-se no belíssimo Hotel Casa dos Viscondes Várzea e marque logo o jantar. Na visita à cidade de Lamego a Sé é obrigatória, assim como o Museu com algumas peças classificadas como ‘tesouro nacional’. Temos de ir lanchar à Casa das Bolas, que fica por detrás da Sé, antes de começar a caminhada até à Senhora dos Remédios. Não se esqueça que precisamos de ganhar apetite para o jantar que lhe garanto ser inesquecível.
Depois de usufruir dos salões, do quarto e das varandas onde um vinho do Porto e um charuto clama por nós a amena conversa surge sempre naquele silêncio entre os aromas daquela extensão de macieiras e vinhas.
Depois do pequeno-almoço seguimos para Peso da Régua, longe de ser uma cidade bonita, mas onde vale a pena visitar o Museu do Douro e seguir a estrada até ao Pinhão.
No meio do caminho fazemos um desvio e almoçamos em Ervedosa do Douro na Toca da Raposa. Depois de feita a digestão rumamos até ao Pinhão, bem devagar, aproveitando a paisagem e onde vale a pena visitar a belíssima estação de comboio. Regressamos à Régua e pernoitamos na Quinta da Pacheca, eu fico dentro no Hotel, se gostar das Pipas, encantado… sou hoteleiro. O jantar será no local, merece a sala decorada com um belíssimo gosto, o chefe e merecem os vinhos!
Guardamos mais uns charutos para um Tawny vinte anos debaixo do grandioso castanheiro onde gravou em tempo Manoel de Oliveira Vale de Abraão.
Dirá, então as quintas? As visitas às adegas … desculpem, mas férias são férias, desfrutar do Douro, para mim é olhar para a paisagem humanizada, para aquelas vinhas emolduradas, por oliveiras muradas por Galegos que gosto sempre de relembrar e homenagear em oração profunda.
Demorou anos para o Douro ficar na moda, para que fosse descoberto por portugueses e estrangeiros. Por mim, sempre foi local ou de passagem para Trás-os-Montes, terra dos meus avoengos, ou destino de trabalho ou descanso, mas nunca indiferente.
Ó Portugal da minha infância,
Não sei que é, amo-te a distância,
Amo-te mais, quando estou só…
Qual de vós não teve na Vida
Uma jornada parecida,
Ou assim, como eu, uma Avó?
António Nobre, Só,
Viagens na minha terra
O Douro traz sempre memórias do passado, de gente que passou pela minha vida, não lhe vejo as sombras, mas sinto-lhes os passos.
Saudades de um tempo em Cheires (perto de Sabrosa) daqueles piqueniques junto ao rio, dos jantares na Casa dos Lagares.
Também viajamos em memórias, mas melhor mesmo é viajar e brindar à Vida.
À memória do meu amigo Bento Vilela Morais.