Se há temas em Medicina polémicos, controversos e delicados, este é um deles. Talvez seja, no meu entender, um dos mais difíceis de abordar por envolver, em primeiro lugar, o critério médico, sempre discutível; depois, reações humanas absolutamente normais; finalmente, questões culturais impossíveis de ultrapassar.
Daí resulta este ‘dado adquirido’, se assim lhe quisermos chamar – que sempre existiu, existe e vai continuar a existir –, designado como ‘segunda (às vezes ‘terceira’) opinião’, que muitos doentes procuram quando uma doença mais complicada os atinge e é preciso tomar posição.
Quando ainda era estudante, o meu pai, cirurgião da ‘velha guarda’, chamou-me por diversas vezes a atenção para este problema, com o qual me iria debater mais tarde, na vida profissional. Um dos seus conselhos frequentes era este: «Tens de estar preparado e saber conviver com as reações humanas dos doentes. Um doente com uma doença grave que tu diagnosticaste é capaz de ir até ao fim do mundo para ouvir outras opiniões e isso não significa falta de confiança em ti, nem menos consideração para contigo».
Foi à custa de muitos ensinamentos como este que aprendi as regras básicas do comportamento humano neste mundo fascinante da Medicina, aceitando conscientemente tudo aquilo que se considera ‘normal’ e não se pode mudar.
No entanto, a minha experiência permite-me emitir uma opinião clara e inequívoca a este respeito: a procura de uma outra opinião, salvo raras exceções, é quase sempre prejudicial para o doente, pois vai lançá-lo numa confusão tremenda que só agrava a evolução da doença. E quanto mais forem as opiniões, maior será a confusão. Isto aplica-se, por exemplo, às doenças do foro oncológico, onde parece estar implícito no espírito do doente ter de ouvir sempre uma segunda opinião, inclusive no estrangeiro. Mas, podendo ser errado e contraindicado do ponto de vista médico, tem de perceber-se e aceitar-se do ponto de vista humano.
Ultimamente, com a reorganização dos centros de saúde e a (preciosa) ajuda da informática na área administrativa, os utentes foram como que obrigados a recorrer a essas unidades para manter a sua inscrição, salvaguardando o seu futuro, mesmo tendo assistência médica privada ou através de outro subsistema de saúde.
Não posso estar mais de acordo com esse procedimento, mas discordo em absoluto quando o médico de família pretende intrometer-se no critério clínico seguido pelo outro colega e decide alterar o plano, provocando no doente uma autêntica ‘revolução’. Esta atitude, que ocorre com alguma frequência, não só é prejudicial para o paciente como é inaceitável em termos deontológicos. Por outro lado, se o doente é assistido noutro local, qual a razão para esta duplicação de funções? Não seria mais prático um simples registo informático a confirmar a inscrição no centro, mencionando não ser utilizador por já ter assistência médica nesta ou naquela unidade?
Nunca me hei de esquecer daquele doente acompanhado clinicamente numa empresa privada pelo seu médico assistente que se preparava para iniciar hemodiálise, com todo o processo concluído a nível hospitalar e da empresa.
Enquanto aguardava, recebe em sua casa uma carta do centro de saúde convocando-o para lá ir regularizar a situação, sob pena de perder o vínculo àquele serviço. Ao chegar à unidade, verificou que lhe tinha sido atribuído um médico de família, desconhecido para ele, que, ao inteirar-se da sua história clínica, decidiu ser ele a tratar do caso, anulando tudo o que fora previamente delineado. A confusão instalou-se e o doente, em pânico, ficou à deriva sem saber o que fazer.
Outro caso ‘insólito’ foi o de um doente que veio à minha consulta informando-me logo que pretendia «saber apenas a minha opinião» (como quem pede um orçamento para uma obra em sua casa…) visto estar a ser assistido por outro médico. Só lhe respondi que, se a minha opinião fosse diferente do parecer do meu colega, lá teria ele de procurar uma terceira pessoa para desempatar…
Como conclusão final, eu recomendaria prudência, bom senso e a indispensável confiança no médico assistente. Se estes pressupostos falharem, quem sofre é o ‘elo mais fraco’. E, neste caso, o ‘elo mais fraco’ é sempre o doente!
Luís Paulino Pereira, médico