Talvez haja ainda muita gente que liga a história das 24 Horas de Le Mans, que é tratada mais intimamente por apenas Le Mans, àquele momento romântico nas boxes entre o piloto Michael Delaney e Lisa, a viúva do seu rival Piero Belgetti, embora ambos tenham a sensação de que Delaney tivera a sua parte de culpas no despiste que provocara a morte do italiano. Não admira. Michael, que era interpretado por Steve McQueen na película Le Mans, realizada por Lee H. Katzin e John Sturges em 1971, ficou como uma das imagens desta corrida icónica que teve a sua edição inaugural em 1923, com os concorrentes a dispararem pelas ruas das aldeolas que rodeavam Le Mans à mistura com umas escapadelas pelo meio dos campos. Ao contrário do que a lenda insiste em teimar, McQueen não participou na competição apesar de ter expressado uma grande vontade de o fazer. A produção aplicou um rotundo não às suas expectativas e ele teve de se limitar a ir representando pelo meio de toda a atividade em redor da edição da prova de 1970.
Em 1923, os franceses viviam uma paixão devastadora pelos automóveis. Não tardou a que pusessem em prática uma competição que levava até aos limites da resistência, da capacidade mental e da tenacidade dos corredores de todo o mundo. O circuito, de pouco mais de 17 km, ganhou o nome de Sarthe, o rio que atravessa a cidade. E, como seria de esperar, foram os pilotos franceses a dominarem as primeiras edições da prova, cabendo à dupla Andre Lagache e Rene Leonard inscrever os seus nomes na lista pioneira de vencedores, ao volante de um Chenard & Walker, cumprindo um total de 2080 quilómetros ao longo das 24 horas da prova. Não deixa de ser notável reparar que dos 66 concorrentes que se apresentaram à saída, 63 cumpriram o tempo exigido.
Um mundo curioso
O que não falta na história de Le Mans são curiosidades de todas as espécies. Por exemplo, 1930 viu surgir pela primeira vez uma dupla de mulheres,Marguerite Mareuse e Odette Siko, uma parelha que se apresentou aos comandos de um Bugatti 40 e atingiu um muito razoável sétimo lugar. Quatro anos mais tarde, madame Siko fez melhor: terminou no quarto posto.
Se há um nome indissociável de Le Mans, esse é o deTom Kristensen, um dinamarquês nascido em Hobro em 1967 e que conquistou sete vitórias, cinco das quais consecutivas, entre 2000 e 2005, participando em Audi e em Bentley e rodando de parceiros, ainda que os seus favoritos e recorrentes tenham sido o alemãoFrankBiela, o italiano Emanuele Pirro, e outro alemão Marco Werner. Depois dele, o belga Jacky Ickx, que também teve uma carreira consistente na Fórmula 1, segue-se com seis vitórias.
Outra das características únicas de Le Mans foram as partidas: mal baixava a bandeira, os pilotos atravessavam a pista a pé em direção aos seus carros. Se a Porsche descobriu que ter a ignição do lado esquerdo dava vantagem aos seus corredores, muitos outros feriram-se ou morreram na atrapalhação criada pela necessidade de arrancar o mais depressa possível. Em 1969, Ickx recusou-se a participar no que chamava uma estupidez. No ano seguinte as regras mudaram de vez.