Pero dónde los hombres?
Rafael Alberti
Quando o meu olhar regressa ao tempo e aos homens que encontrei quando nasci, com quem fui crescendo e vi morrer; quando lembro os que povoaram o tempo que vivi e vão partindo; esses homens parecem-me cada vez mais uns oásis num deserto que não pára de crescer.
Para explicar esse deserto, uma palavra-chave é ‘amnésia’. Invasiva, infecciosa como um vírus, que apaga o exemplo edificante dum passado cuja memória, nos livros e nas estátuas, alguns fanáticos querem derrubar.
Amnésia cultivada na escola, como escreveu sem que o ouvissem João Lobo Antunes, um desses homens que faltam neste tempo, de uma espécie que em momentos de desesperança como o de hoje parecem em vias de extinção.
Partiu agora um amigo que foi um dos últimos Editores dignos desse nome.
Teve um projeto e fez obra. Com um estilo próprio – que, se não o tivesse, não seria obra. O que abunda agora são grupos, com vários ‘responsáveis editoriais’, empregados de empresários e editores independentes indistintos.
Esse amigo semeou cultura durante anos, com uma intervenção editorial pensada, coerente no domínio do seu interesse intelectual – as ciências sociais e humanas, que então nasciam entre nós trazidas por um dos nossos raríssimos verdadeiros sociólogos, A. Sedas Nunes.
Ciências sociais essas traídas depois pela enxurrada de incultura e ideologia, que hoje se manifestam incontíveis. Como ele previra e ainda teve a mágoa de testemunhar
Biblioteca das Ciências Sociais Humanas’ foi o nome da coleção marcante que concebeu e dirigiu. Uma coleção pioneira, coerente, com os livros então fundamentais na especialidade, que soube selecionar e divulgar.
Fomos amigos sempre, mesmo quando divergimos em questões associativas. Convivemos num tempo breve, também na atividade que nos apaixonava, numa experiência que me enriqueceu. Editei um livro dele, que revela o homem culto, atento ao mundo, de uma liberdade livre – como a referiu António Ramos Rosa –, aberto à procura da verdade, com essa qualidade cada vez mais rara de não querer enganar-se a si próprio.
Perdoem-me terminar com algo que, sendo muito gratificante para mim, o revela num traço exemplar.
Quando lhe disse que ia criar a Gradiva nas condições em que, com um amigo, a fiz, sem um tostão, respondeu-me: «Só o posso encorajar, mas tenho que lhe dizer que sem recursos financeiros nem o Guilherme Valente o conseguirá fazer».
E fiz. Com todos os companheiros que estiveram e continuam comigo, praticamente todos, e a saudade dos que partiram para sempre.
E nunca nenhum amigo foi elogiando como ele, de viva voz e em ‘cartas’ expressivas, o que a Gradiva fez e é.
Francisco Espadinha de seu nome, Editor com caixa alta, com obra gravada na cultura do país.
Mais saudade nas saudades que me enchem.