A história passou-se há mais de quinze anos, em tempo de férias. Era um domingo do mês de agosto e o areal da Praia da Rocha estava repleto, como é habitual no Verão.
Ao final da manhã, começámos a aperceber-nos de uma agitação anormal: as pessoas pareciam assustadas com qualquer coisa. De repente, nadadores-salvadores, acompanhados por autoridades marítimas e bombeiros, começaram a aconselhar os presentes a regressar às suas casas, pois temia-se que uma onda de grandes dimensões varresse por completo o areal.
Rapidamente, o conselho transformou-se em ordem de emergência – e num ápice a praia ficou deserta. Ninguém sabia ao certo o que iria passar-se, mas todos diziam que «vinha lá a onda».
Não faltou quem puxasse de binóculos para ver o horizonte ou, de máquinas fotográficas em punho, procurasse um lugar mais alto para captar imagens sensacionais, porventura inéditas, que podiam ficar para a História.
Por muito que se mandassem as pessoas para casa, a falésia encheu-se de gente à espera de ver a tal vaga galgar a terra.
O tempo foi passando, os curiosos e os destemidos eram cada vez em maior número, a ordem de recolher obrigatório não era cumprida – mas, quanto à onda, nem vê-la! Os avisos continuavam, mas poucos foram aqueles que os levaram a sério. Até que, para o final da tarde, foi levantada a interdição e a praia voltou ao normal, visto tratar-se de um falso alarme.
Todos nós nos lembramos de outros episódios em que é dado um sinal de alerta – e depois nada acontece. Ao invés, muitas são as situações em que, sem haver qualquer sinal de alarme, a catástrofe surge de repente, provocando destruição e espalhando o terror. É o que tem acontecido por esse mundo fora devido à covid-19, sem ninguém estar minimamente preparado para a enfrentar.
E foi precisamente por isso que trouxe aqui a recordação daquele episódio longínquo, felizmente sem consequências. No momento presente vivemos um problema semelhante, onde o medo não nos larga, por pensarmos que outra onda há de vir com consequências mais catastróficas para a população. Fala-se constantemente na tal segunda vaga da covid-19, que ninguém sabe ao certo como será, nem mesmo se irá acontecer.
A prevenção é fundamental e o medo nada resolve. Alguns doentes, já dominados pelo pânico, questionam-me como vai ser a ‘rebentação’ desta segunda vaga, como se eu ou alguém tivéssemos a resposta certa para essa inquietante questão.
Em minha opinião, o mais importante é seguirmos as orientações das autoridades de saúde e cumprirmos as normas definidas pela DGS, na qual temos de confiar. É a melhor prevenção.
Como médico, ponho os olhos no SNS, desejando que ele possa estar à altura das exigências do momento. Por outro lado – insisto neste ponto – as diretrizes superiores devem aplicar-se a todos sem exceção, para não gerar descrédito e confusão entre as pessoas. Não podemos continuar a assistir ao cancelamento de eventos por razões de saúde pública e à realização de outros desde que cumpram as normas sanitárias.
São estes dois pesos e estas duas medidas que provocam a desconfiança e podem estar na origem do incumprimento de certas regras por parte da população. Se o exemplo não vier de cima, é impensável levar as pessoas a cumprir o que quer que seja.
Mais do que isto não se pode fazer. O país não pode parar, e a vida tem de continuar – nos moldes possíveis, é certo, mas terá de andar para a frente. Na minha vida profissional, tudo terá de avançar, embora com novas regras.
Serviços de saúde transformados em ‘tertúlias’ ou em ‘lojas de conveniência’, como infelizmente era usual no passado, não têm hoje mais razão de existir. Para bem de todos. E quanto ao medo, também é preciso combatê-lo. Mas só será possível lá chegar quando as pessoas sentirem confiança total nos seus dirigentes.
Quando isso acontecer, com onda ou sem onda, já podemos dizer à semelhança do velho slogan bem conhecido de todos nós: «Vai ficar tudo bem!».
A segunda vaga
A prevenção é fundamental e o medo nada resolve. Alguns doentes, já dominados pelo pânico, questionam-me como vai ser a ‘rebentação’ desta segunda vaga, como se eu ou alguém tivéssemos a resposta certa para essa inquietante questão.