Kampfspiele. Olimpíadas Germânicas

Se a II Grande Guerra interrompeu os Jogos Olímpicos, os alemães trataram de organizar uns só para eles. O mais arianos possível.

Os períodos que anteciparam e mediaram as duas Grandes Guerras foram terríveis para o desenvolvimento do desporto na Europa. Em 1916, a sexta edição dos Jogos Olímpicos da Era Moderna marcada para Berlim – Era essa iniciada em 1896, em Atenas, sob o esforço hercúleo de Charles Pierre de Frédy, o barão de Coubertin – foi riscada do mapa de competições por razões óbvias. Os jovens da Europa estavam mais preocupados em sobreviver nas trincheiras das Ardenas do que a bater recordes fosse de que modalidade fosse. Mas os alemães não se conformaram com a oportunidade perdida de mostrar ao mundo a sua grandeza desportiva. Um bávaro chamado Carl Diem, natural de Würzburg, onde nasceu em agosto de 1882, corredor de médias e longas distâncias na sua juventude e um defensor do heroico ideal olímpico, já tinha posto em marcha um projeto que devia, segundo a sua filosofia, promover a arte e música alemã bem como aquilo que em alemão se designa por Volksgemeinschaft, ou seja, a força comunitária germânica. E assim, em 1922, começaram a disputar-se os Deutsche Kampfspiele, ou seja, numa tradução liberal, Combates Alemães, primeiro na sua versão de Inverno, de 23 a 29 de janeiro, em Garmisch-Partenkirchen, uma estação de esqui na Alta-Bavária, e em seguida na sua versão de Verão, em Berlim, entre 18 de junho e 2 de julho. Banidos dos Jogos Olímpicos de 1920, em Antuérpia, os primeiros do pós-guerra, os alemães viravam-se para dentro e declaravam-se orgulhosamente sós.

 

O sonho de Carl Diem

Os alemães sentiam-se felizes com os seus Jogos e muitos apelidavam-nos mesmo de Jogos Olímpicos Alemães com todo o descaramento. E apesar de o termo Kampfspiele ter algo de bélico, não havia, de início, a mínima influência militar na organização das competições que contavam com uma múltipla apresentação de modalidades que iam desde o futebol à natação, do atletismo à ginástica. Para Carl_Diem, o antigo espírito olímpico grego devia ser respeitado ao máximo, combinando cultura, nacionalismo e atividades populares. Em testemunhos escritos deixados por si, revelava uma certa irritação quando lhe era sugerido que os Kampfspiele tinham sido uma reação ao afastamento dos germânicos das provas olímpicas. No boletim Kampfspiele-Nachrichten, publicado na véspera da segunda edição que teve lugar em Colónia, em 1926, defendeu duramente a sua dama: «Estes jogos serviram para restaurar a harmonia das nossas individualidades e do nosso povo como bloco. Servem-nos para recordar que o respeito por si próprio e a vontade de atingir objetivos deve sobrepor-se as preocupações banais das nossas questiúnculas diárias».

Ao mesmo tempo, o inquieto espírito desta buliçosa personagem, avançava para a organização dos  Reichjugendwettkämpfe, os_Jogos da Juventude do Reich, um evento anual de triatlo com lugar em Berlim e que servia para comemorar o Dia da Constituição numa tentativa de ligar as atividades desportivas às celebrações republicanas, um princípio muito teutónico, convenhamos. A adesão foi de tal forma que a polícia da capital do_Reich reportou que em Agosto de 1929, todas as escolas do bairro proletário de  Prenzlauer Berg tinham espalhado pelas ruas mais de 10 mil miúdos em trajes de ginástica. 

O espírito de Carl Diem podia ser puro, mas a Alemanha estava a caminhar para um destino soturno e implacável. O seu discurso de encerramento, perante mais de 20 mil pessoas, soava triste: «Assistimos à aurora de um novo tempo nascendo sobre a cidade de Colónia. As bandeiras que se desdobram ao vento são o sinal de que uma nova Alemanha se reconstrói sobre o seu poder eterno, enchendo as nossas vidas de novos ideais». Bonitas palavras mas perdidas na espuma dos dias.

 

A intervenção nazi

A edição seguinte, em Breslau, 1930, já esteve demasiadamente envolvida em querelas políticas para o gosto do seu ideólogo. E, em 1934, Adolf Hitler era chanceler e submetera a Alemanha ao seu odioso punho nazi. Não por acaso, Nuremberga surgiu como sede dos Jogos. Capital idiossincrática do Nacional-Socialismo, tornou-se a cidade permanente de uma nova versão da competição que ganhou o nome de Nationalsozialismus-Kampfspiele – recebeu as provas de 1934, 1937 e 1938. O nome não podia ser mais sugestivo. E agora sim, ganhava uma agressividade latente, sobretudo quando 1935 viu nascer uma tentativa de boicote aos Jogos Olímpicos de Berlim agendados para o ano seguinte. Entrávamos definitivamente no campo da propaganda. Os Kampfspiele de Nuremberga começaram a marcar o encerramento das monumentais reuniões do partido, as sinistras Reichsparteitage nas quais o ódio era destilado gota a gota como num alambique de schnapps. Pior ainda: ao incluir entre os atletas participantes tanto cidadãos austríacos como outros vindos da região dos sudetas, na Checoslováquia, os nazis assumiam perante o mundo que a Alemanha tinha ambições de conquista territorial imediata.

Finalmente os jogos de combates entre alemães, que organizaram os seus Jogos_Olímpicos em Berlim, em 1936 – cujo diretor-geral foi, naturalmente, Carl_Diem –, num dos mais fanáticos ambientes nacionalistas jamais vistos, batiam certo com a palavra marcial. Os militares da Schutzstaffel (SS) e da  Wehrmacht, os para-militares das Sturmabteilung (SA) e do Nationalsozialistisches Kraftfahrkorps (NSKK), bem como os moços da Hitlerjugend, a Juventude Hitleriana, passaram a ser os protagonistas das provas que, por seu lado, ganharam modalidades de fazer arrepiar os cabelos aos velhos defensores dos ideais olímpicos: lançamento de granadas, 30 metros de natação com uma mochila de 15 quilos às costas, marcha em formação ordenada… Em 1939, a ideia já abastardada de Carl_Diem, era varrida juntamente com o lixo de sobra dos escombros das cidades alemães.