Por Vasco Pinto
Estudante de Engenharia Mecânica do Instituto Superior Técnico
Debates vice-presidenciais geralmente não incomodam muito os historiadores presidenciais, tão pouco a atenção dos eleitores. Porém a narrativa da campanha eleitoral deste ano aumentou o interesse: a notícia que o presidente Trump estava infetado com COVID-19 lembrou os eleitores que os dois candidatos presidenciais são os mais velhos da história.
Ser o primeiro na linha de sucessão nunca foi tão significativo.
Era já esperado que Mike Pence, vice-presidente, e Kamala Harris, a candidata democrata a vice-presidente, assumissem uma atitude presidencial que ajudasse a conferir mais substância ao debate que o primeiro confronto presidencial. No entanto, Susan Page, a moderadora, não assumiu um papel expressivo já que os dois candidatos preferiram manterem-se no guião previamente articulado e optaram por não responder a algumas perguntas.
Já se antevia que a pandemia seria um eixo importante do debate. Harris atacou o vice-presidente, responsável pela gestão da equipa de resposta à pandemia, alegando que o próprio escondeu até tarde a ameaça que o vírus apresentava. A alternativa, sob a administração Biden, envolveria a implementação de um mandato que obrigue o uso de máscara em todo o país e a garantia de acesso a testes regulares, fiáveis e gratuitos. Porém, a solução do vice-presidente foi apenas reforçar a confiança na celeridade da distribuição de uma vacina ainda este ano.
O resto da prescrição de Pence foi colar a agenda política de Biden-Harris à dos democratas mais liberais, na tentativa de assustar os eleitores americanos sobre a ideologia radical de combate às alterações climáticas e do plano de recuperação económico da dupla democrata. Aumento da carga fiscal, maior regulação económica e a criação de empregos verdes está no esboço das estratégias caso Biden e Harris sejam eleitos em novembro.
Susan Paige tocou na esfera de Washington D.C, ao refletir nas alegações de Trump sobre as fraudes eleitorais no voto por correio. No entanto, Pence perdeu uma oportunidade para escudar a integridade das eleições ao não garantir uma transferência pacífica de poder no caso de perder as próximas eleições.
Do outro lado, Harris assumiu o desafio que é familiar a muitas mulheres negras na política: ser capaz de transmitir a agenda racial de que o país é sistemicamente racista sem parecer uma "mulher negra histérica", correndo o risco de alienar os votos brancos. E convenientemente conseguiu. O resto não importou. Biden têm uma liderança significativa nas sondagens contra um presidente impopular, Harris apenas teve a tarefa de não a diminuir. Não esteve preocupada em criar momentos virais sob forma de punchlines para irromperem em telejornais e circularem em redes sociais. São duas Kamala Harris contrastantes, uma irreverente, que nas primárias é lembrada pelo ataque às políticas de segregação racial que Biden aprovou enquanto senador na década de 70 e a outra Harris, a que vimos hoje: ponderada, a jogar pelo seguro, mantendo por certo a vantagem nas sondagens.
Foi um debate vice-presidencial mais importante que os demais, mas não foi por isso que importou. Os riscos eram maiores para Harris do que para Pence, já que a base trumpiana é doutrinária e míope, o que garante que ninguém muda as convicções sobre Trump. O desempenho tépido de Harris não irá criar um novo impulso na campanha. Mas o assim-assim ajudou a tranquilizar os eleitores que estão indecisos, mas inclinados para Biden, ou que ainda estão a decidir se votam.
A corrida presidencial de Pence e Harris em 2024 é inevitável, independentemente do resultado em novembro. Pence precisa de formular um trumpismo sem Trump e Harris de criar a ponte entre democratas moderados e socialistas. Estes propósitos precisam de espaço, de um o debate, de estarem só eles. E para isso o debate serviu aos dois.