O liberalismo de conveniência do PS

Mais rendimento disponível é exatamente o que os liberais defendem. O cidadão saberá melhor que o Estado se vai consumir mais, poupar mais… é mais dinheiro no nosso bolso.

por Pedro Antunes
Empresário

Nos últimos dias têm vindo várias notícias sobre as propostas do Governo para o Orçamento de Estado de 2021. Há imenso por onde pegar, entre medidas demagógicas, medidas que intensificam a escravatura fiscal em que vivem as famílias e a complexidade fiscal kafkiana das empresas (4300 taxas). Será apenas mais um orçamento para garantir que passa com o apoio da esquerda e que encurrala o neossocialista Rui Rio.

No entanto fiquei surpreendido com o PS avançar com uma medida com a qual não só concordo, como qualquer liberal já anda a chamar à atenção há alguns anos.

Toda a gente sabe que as taxas de retenção na fonte do IRS são demasiado elevadas. A prova disso é a quantidade de pessoas que, em maio do ano seguinte, recebem um reembolso. Como vivemos num país onde a iliteracia financeira é elevada, a maioria das pessoas interpreta isto como um bónus, uma espécie de mini-subsídio de férias. Na realidade tiveram a adiantar impostos indevidos ao Estado. A verdade é que isto é um empréstimo involuntário, a juro zero, ao Estado.

Não sou contra a lógica da retenção na fonte, atenção. É um mecanismo, como haverá outros, que permite ao Estado ir recolhendo impostos de forma gradual. A critica que tem sido feita, em especial por liberais e oposição do momento, é que a taxa é excessivamente elevada.

Fiquei, portanto, surpreendido com a liberalismo demonstrado pelo Governo em reduzir esta mesma taxa. Pelo que li estamos a falar de uma redução média de 2%. Quais as consequências desta medida?

Primeiro um aumento do rendimento disponível para, estima-se, 2 milhões de portugueses. Excelente! Como vai ser implementada de forma progressiva, quanto mais recebe menor é a redução da taxa (mesmo nestas gostam de complicar), vai beneficiar os portugueses da classe média. Bem precisam.

Mais rendimento disponível é exatamente o que os liberais defendem. O cidadão saberá melhor que o Estado se vai consumir mais, poupar mais… é mais dinheiro no nosso bolso.

Claro que no ano seguinte há o reverso da medalha. O tal mini-subsídio, o reembolso de IRS, vai cair. Algumas pessoas irão mesmo passar a ter de pagar em vez de receber. Será interessante ver como é que reagem as famílias.

Porque é que o PS, que governa já na segunda legislatura, decidiu converter-se a uma medida liberal agora? E depois olhei para o calendário…

A redução da taxa vai cair em 2021. As pessoas vão ter mais dinheiro no bolso e em setembro/ outubro já terão quase um ano inteiro de viver com mais rendimento disponível. E aí temos as eleições autárquicas.

Em 2022, por volta de maio, terão a fatura. As famílias que se habituaram a usar o reembolso para pagar umas contas, ou contando para uma poupança adicional, receberão menos. Algumas terão mesmo de pagar. Mas em 2022 não há eleições e no fim de 2023, nas eleições legislativas, já toda a gente se habituou.

O cinismo com que o PS ganha eleições é impressionante e é, sinceramente, o único problema que vejo com esta medida. Baixar a taxa de retenção é bom. Aumenta justamente o rendimento disponível das famílias.