Adoramos más notícias. Alimentamo-nos das nossas desgraças e das dos outros. Precisamos de histórias de faca e de alguidar para apimentar a vida. Temos prazer em discutir assuntos ligados à corrupção, branqueamento de capitais, fugas ao fisco e outras vigarices. Também não recusamos estar a par dos casos de violação ou pedofilia, sobretudo se envolverem figuras públicas ou membros da igreja. Quanto mais sujo, promíscuo e indecente melhor! Mudam-se os tempos, mas há dois assuntos que não passam de moda: o dinheiro e o sexo. E quem disser que não é assim estará a mentir. Ou pior, a dissimular uma predileção pelos coitadinhos.
Contam-se pelos dedos os que perdem tempo com as boas notícias. Para quê? Quase nunca estão em destaque na imprensa e raramente fazem a abertura de um jornal televisivo. Claro que há exceções que, de tão excecionais não passam despercebidas. As medalhas nos jogos olímpicos, o prémio nobel da literatura, as descobertas científicas lideradas por um génio nacional, a vitória do Euro 2016. São tão raros os seus protagonistas. Coitadinhos!
Confundimos sofrimento com esforço, perseverança com persistência, moralidade com ética, educação com etiqueta. Vivemos atormentados com a ideia do pecado, herança da tradição judaico-cristã. Quase todos os frutos são proibidos, sobretudo os que nos dão gozo. E mesmo que o papa considere os prazeres sexuais e culinários divinos não podemos mudar da noite para o dia. Somos humanos! E se não formos capazes de resistir à tentação… coitadinhos!
Estão em vias de extinção as famílias que não tenham (ou já tenham tido) um ou mais membros no desemprego ou com cancro. E talvez até os dois ao mesmo tempo. Vítimas desses terríveis flagelos que resistem ao tempo. Qualquer uma das situações é traumática, ainda que temporária. Nada é permanente, nem sequer as coisas ruins. Ainda assim, não faltam oportunidades para se sentir pena dos coitadinhos.
Até há pouco tempo pensava que os verdadeiros amigos eram os que nos apoiavam nos momentos mais difíceis. Tinha a certeza que era através da dor que saberia com quem podia contar. Nunca estive tão enganada! Basta não termos cabelo para aparecerem imensos amigos. Não deve ser fácil enfrentar uma doença terminal (quem disse que iria morrer?). Se engordarmos 20 quilos, não faltarão confidentes dispostos a acompanhar-nos neste momento doloroso. Está obeso, nem com dieta vai lá. Coitadinho!
Experimente dizer que está feliz e conte pelos dedos os amigos que esboçam um sorriso sincero. Não esconda o seu corpo depois da impressionante perda de peso que lhe mudou a vida e preste bem atenção ao olhar malicioso dos seus amigos. Comente-lhes que tem um bom ordenado, gosta do que faz, viaja pelo mundo e vai comprar uma casa maior. O seu amigo continua a ouvi-lo? Partilhe um discurso otimista, acreditando que o melhor está por chegar e vai ser chamado de ingénuo, imaturo, naïf. Ainda há quem acredite no pai Natal… coitadinho!
As más notícias ajudam-nos a esquecer as nossas fragilidades. A miséria humana distrai-nos, entretém-nos, dá-nos alento. Rimo-nos da desgraça alheia, troçamos da dor dos outros. Fazemos chacota, muitas vezes inconscientemente, dos que sofrem para não pensarmos no nosso sofrimento. Criticamos atitudes, discursos, opiniões. Só porque sim. Tentar ser feliz dá muito trabalho. É mais fácil morrer aos poucos, sobretudo quando se está de boa saúde. E nunca deixarão de existir vítimas enquanto não nos faltarem os coitadinhos.