O Reino Unido, que já registou mais de 654 mil casos de covid-19 e mais de 18 mil mortos, prepara-se para o pior da segunda vaga da pandemia, sobretudo no noroeste de Inglaterra, a zona considerada de maior risco pelo Governo de Boris Johnson. Liverpool, a maior cidade da região, tem mais de 90% dos cuidados intensivos ocupados com a enchente de casos graves de covid-19. Nos últimos 14 dias houve mais de 634 novos casos registados por 100 mil habitantes da cidade, mas isso não impediu gigantescos ajuntamentos na noite de terça-feira, na véspera do fecho dos bares da cidade (ver págs. 18-21).
As imagens de Concert Square, um dos principais centros da vida noturna da cidade, onde dezenas, talvez centenas de jovens festejaram nas ruas, aos saltos e agarrados uns aos outros, chocaram o país. “Imunidade de grupo, aqui vamos nós”, lia-se na legenda de um dos vídeos no Snapchat. Outros vídeos até mostravam gente a dançar em redor de um veículo da polícia, que autuou 38 pessoas por violar as regras contra a covid-19, que devasta a cidade.
“Estamos a funcionar a 100% da capacidade. O nosso departamento de emergência está sobrelotado, sem que o distanciamento social seja possível. Temo que estejamos a caminhar para um desastre. E depois vemos multidões a comportarem-se assim. Estou devastado e enojado”, insurgiu-se um médico dos cuidados intensivos de Liverpool, à Sky News. “Nós temos pessoas nos corredores em macas à espera de cama”.
“Estas imagens envergonham a nossa cidade”, concordou o presidente da Câmara de Liverpool, Joe Anderson, no Twitter. O Governo britânico já discute se as áreas metropolitanas de Manchester e Lancaster, próximas de Liverpool, deverão ser adicionadas às áreas consideradas de mais alto risco.
Quebrar o circuito da covid-19 Acumulam-se as críticas à resposta do Governo de Johnson por ignorar o Scientific Advisory Group for Emergencies (SAGE), que há quase um mês propõe uma estratégia a que chama circuit breaker. Na prática, seria um curto confinamento nacional, talvez duas ou três semanas, para quebrar a trajetória ascendente do número de casos, a chamada segunda vaga.
Segundo o SAGE, a medida poderia fazer o relógio andar para trás uns 28 dias, diminuindo para metade as mortes por covid-19 até ao fim do ano. Em vez disso, o Governo de Boris Johnson, como tantos outros Governos europeus, tem apostado em confinamentos localizados, apenas quando o número de novos casos se torna praticamente incontrolável.
“Não é preciso ser um cientista aeroespacial” para perceber que o Reino Unido se aproxima de um ponto “em que a maioria das pessoas estará a viver sob restrições muito mais estritas”, avisou Graham Medley, membro do SAGE e um dos autores da proposta, à BBC. “A ideia destes circuit breakers é fazê-lo antes de termos mesmo de fazer”, salientou, notando que o país pode já ter “perdido o barco”.
“Claro que não ponho nenhuma hipótese de lado no combate ao vírus, mas vamos fazê-lo com uma abordagem local, regional, que pode e vai baixar os números se adequadamente implementada”, respondeu o primeiro-ministro Boris Johnson, quando questionado pelos deputados.
Já o líder da oposição britânica, Keir Starmer, abraçou completamente a ideia de aplicar circuit breakers, esta quarta-feira. “Ontem, 441 pacientes com covid estavam ventilados e o número de mortes registado foi, tragicamente, o mais alto desde 10 de junho. Esse é o preço de ignorar este conselho”, acusou o líder do Partido Trabalhista. “O plano do Governo não está a funcionar, por isso é preciso um rumo diferente”, declarou, apelando ao Governo para que “siga a ciência”.
Entretanto, a abordagem regional continua, com o Governo da Irlanda do Norte, que registou mais de 23 mil casos de covid-19 desde o início da pandemia, a impor novas restrições, com o fecho de escolas a partir de segunda-feira e normas mais apertadas em restaurantes e bares a partir de sexta-feira.
Já o País de Gales prepara-se para fechar as portas a viajantes vindos de zonas de maior risco de contágio, ou seja, da Irlanda do Norte, boa parte de Inglaterra e centro da Escócia. O chefe do Executivo galês, Mark Drakeford, garante que já pedira duas vezes nas últimas semanas ao Governo britânico que tomasse tal medida, mas este recusou, acabando o País de Gales por fazê-lo unilateralmente.