Os incêndios que eliminaram cerca de 85% da superfície da Mata Nacional de Leiria (MNL) aconteceram em 2017 e, nestes últimos três anos, pouco foi feito em termos de ordenamento e de gestão florestal. A conclusão consta do estudo técnico enviado esta semana ao Governo pelo Observatório Técnico Independente, que lança sobretudo duras críticas ao Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF). Um dos alertas dados pelos especialistas é o facto de o Plano de Gestão Florestal ter sido elaborado em 2010, não existindo ainda uma revisão para atualizar o plano.
«Tarefas essenciais estão ainda por executar, três anos após o incêndio, tais como a remoção do material lenhoso ardido ou destruído», revela o documento. Mas a matéria ardida não é o único material que permanece pelo pinhal dos olhos de D. Dinis: Há também, segundo os especialistas, «a deposição disseminada de lixos urbanos e industriais». No estudo técnico é possível ver as fotografias que comprovam a acumulação de detritos na Mata de Leiria.
Ao SOL, Emanuel Oliveira, um dos técnicos responsáveis pelo estudo entregue ao Governo esta semana, sublinhou que o Pinhal de Leiria atingiu um «estado de abandono», quer pela conservação, quer pela proteção, ou mesmo pela perda de biodiversidade. «Ainda estão a retirar madeira dos incêndios de 2017. Não é preciso tanto tempo para fazer este trabalho e, além disso, só baixa o preço da madeira, atrai pragas e apodrece», explicou Emanuel Oliveira.
Durante o primeiro ano após os incêndios de 2017, foram feitos alguns avanços: Foi criado o Observatório do Pinhal do Rei, estrutura de acompanhamento dos trabalhos a desenvolver e foram definidos os passos para recuperação da mata, colocando as responsabilidades no ICNF. «Este organismo deu resposta imediata à solicitação do Governo», tendo até publicado um relatório para a estratégia de intervenção. No entanto, após o primeiro ano, os processos começaram a atrasar-se «quer ao nível das operações de salvados, quer nas obras de recuperação da mata e, sobretudo, na revisão do respetivo plano de gestão florestal». Aliás, refere o Observatório Técnico Independente que «há reclamações do município da Marinha Grande, do OBPR [Observatório do Pinhal do Rei], de partidos políticos e de cidadãos em relação aos atrasos verificados no processo, bem como ao não envolvimento das instituições locais e da sociedade em geral na definição dos objetivos e operações e realizar na MNL».
Plano de Gestão sem revisão
O Plano de Gestão Florestal da Mata Nacional de Leiria tem cerca de dez anos e, depois dos incêndios, ainda em 2017, foi lançado um despacho para a revisão deste plano. «Apesar de estabelecida como prioritária», disseram os especialistas, a revisão «ainda não foi realizada». O organismo responsável pela revisão do documento é o ICNF, que argumenta ter três anos para fazer este trabalho. Além disso, «as medidas a cargo do ICNF estão a ser realizadas sem que se conheça o plano a que obedecem». Não são conhecidas, por exemplo, quais as medidas relativas às espécies a favorecer, ou ao controlo de invasoras e pragas. Para o Observatório Técnico Independente, a situação atual é «completamente distinta daquela verificada antes do impacto combinado dos incêndios de 2017 e do furacão Leslie, o que exige uma planificação pormenorizada em função da situação atual». Assim, os técnicos deixam várias questões:
«Os objetivos definidos previamente [em 2010] são ainda atuais considerando as expectativas da sociedade em relação às matas nacionais e ainda as alterações sociais e ambientais, entretanto verificadas?».
Para Emanuel Oliveira, além de a Mata Nacional de Leiria ser «uma área muito sensível, numa zona ardida, quanto mais rápida for a atuação, melhor». «Mas o trabalho que deveria ter começado logo após o incêndio não foi feito», concluiu.
Sugestão: Mudança de gestão
Ao longo do documento, fica claro que todo o trabalho da responsabilidade do ICNF não foi, ou ainda não foi, executado. Por isso, e à semelhança daquilo que aconteceu com outros espaços, o Observatório Técnico Independente sugeriu que seja criada uma entidade gestora da Mata Nacional de Leiria. Ou seja, o património permanece como propriedade do Estado, mas «deverá ser equacionada a criação de uma entidade gestora do património florestal, natural e histórico, com uma maioria de participação conjunta de organismos do Estado central e autarquias locais, sem que nenhuma destas entidades tenha isoladamente a maioria da participação».
Quanto ao financiamento, os especialistas alertam para as receitas obtidas pelo Estado com as vendas do material que restou dos incêndios de 2017.
Tais entidades gestoras do património já existem, por exemplo, na Tapada de Mafra, desde 1998, ano em que foi criada uma cooperativa de interesse público, que engloba o Estado, o município e outras entidades. Também em Sintra, foi criada há 20 anos a sociedade «Parques de Sintra-Monte da Lua», responsável pela gestão dos principais valores naturais, arquitetónicos e museológicos da zona.