Não é preciso fazermos uma mudança de casa para nos apercebermos da quantidade de coisas que fomos juntando ao longo dos anos. Às vezes coisas sem interesse aparente, mas que têm algum significado para nós. Recordações de um outro tempo ou simplesmente que achamos que ainda poderão vir a ser úteis, embora nunca o tenham sido durante décadas…
Com crianças em casa muitas vezes temos de fazer reciclagens acrescidas à casa. Entre roupas e brinquedos, selecionamos o que já não serve mas ainda vai dar jeito aos irmãos, o que podemos dar e o que tem mesmo de ir para o lixo. Ainda assim estas escolhas podem não ser fáceis e aparece sempre qualquer coisa que temos pena de deixar ir embora e que vai ficando. Até termos divisões onde mal nos podemos mexer.
O problema é que tal como não conseguimos caminhar prazerosamente com uma mochila demasiado cheia e pesada, a vida também será mais simples se tiver apenas o que é essencial. Será mais leve, mais fácil e aquilo que é realmente importante ganhará mais vida e importância.
Este é um exercício de mentalização que tento fazer quando dou uma volta à casa, mas no final deparo-me sempre com o mesmo objeto: o meu bouquet do casamento. No início da arrumação, decidida, ponho-o logo de lado. As lindas e viçosas margaridas que há um mês fizeram 13 anos que foram colhidas deram lugar a um deprimente ramo de palha atado por uma fita de cetim também ela vencida pelo tempo. Ao contrário do aspeto decrépito do (des)arranjo, a imagem que guardo dele mantém-se intacta, cheio de vida e de cor, como aquele dia memorável e estes longos anos que se passaram desde então. Fará então sentido guardar um objeto que parece gritar que os anos envelhecem e destroem, em vez de nos lembrar que, pelo contrário, nos enriquecem, nos trazem experiências e caminhos novos, vida e alegria, filhos fantásticos e nos fazem crescer?
É difícil deixar para trás as provas vivas dos tempos passados, os brinquedos de bebés, as roupinhas, ou mesmo coisas sem significado como roupas que nunca vestimos, coisas que já não usamos ou que nunca deram jeito sequer. Mas a vida não se faz de recordações físicas, até porque essas nunca mais serão o que já foram ou dificilmente virão a ter a mesma utilidade. Tirando fotografias, cartas, desenhos, presentes, são os momentos e as memórias que interessam, que se mantêm intactas e deixam o passado vivo. São elas a que podemos aceder quando quisermos e temos também os diários, que podem ajudar a memorizar e revisitar.
Mas sobretudo, temos de receber o presente de braços abertos e vivê-lo plenamente, dar espaço ao que vem de novo, sem deixar que o passado o abafe ou o torne menos importante. Porque um dia, também ele será o passado nostálgico de que teremos tantas saudades.