EUA. O que move os Swing states?

Das praias da Florida ao cinturão da ferrugem, uma mão cheia de estados decide o futuro dos EUA. 

Uma mão cheia de estados indecisos, os swing states, decidirão as eleições americanas de 3 de novembro. No complexo sistema eleitoral dos EUA, onde quem vence um estado fica com os votos todos, estados solidamente democratas ou republicanos assitem à campanha de longe, enquanto os candidatos se digladiam em estados como o Michigan, Ohio, Wisconsin, Pensilvânia e Arizona, mas sobretudo na Florida, sem a qual é quase impossível que Trump seja reeleito. O SOL falou com especialistas, para perceber o que move estes estados tão cruciais.

Florida

«Bem-vindos à Florida, onde todos são de outro lado qualquer», costuma dizer J. Edwin Benton, professor de Ciências Políticas na Universidade do Sul da Florida, na primeira aula de cada ano letivo. Um bom exemplo disso é o próprio Donald Trump, conta Benton, com o sotaque sulista de um nativo da Carolina do Sul. «Todos sabemos que Donald Trump cresceu nas ruas de Nova Iorque, é um nova-iorquino, mas foi enxertado na Florida, sente-se mais confortável aqui. E é embaraçoso perderes o teu estado natal, é raro um Presidente perdê-lo».

«De certa forma, a Florida é um microcosmos dos Estados Unidos», explica Kevin Wagner, professor de Ciências Políticas da Universidade Atlântica da Florida. Talvez por isso este estado, o terceiro mais populoso, com mais de 20 milhões de habitantes, seja o eterno indeciso, o maior dos swing states, crucial em sucessivas eleições. «O norte da Florida é muito como outros estados sulistas, como a Georgia e o Alabama. O sul da Florida partilha muitas semelhanças com estados do norte como Nova Iorque, a Florida ocidental tem elementos do centro-oeste dos EUA e a Florida central tem padrões políticos novos e mal estabelecidos».

«É um estado roxo, uma mistura do vermelho republicano e do azul democrata. É por isso que quando falo à televisão uso a minha gravata roxa», brinca Benton. «Temos tudo, eleitores urbanos, suburbanos, uma população muito diversa, muitos hispânicos, vindos de dezenas países. Em tempos, era uma comunidade predominantemente cubana, mas essa proporção está a diminuir».

Essa quebra da população cubana, historicamente muito conservadora, que votava avassaladoramente nos republicanos, é um dos maiores problemas de Trump na Florida. «O partido republicano sempre foi vocalmente contra Fidel Castro, era só disso que eles queriam saber. Mas gerações cubanas mais velhas, vindas nos anos 50, 60, estão a morrer. E os netos dizem: ‘Sou americano! Nunca fui sequer a Havana’. E não têm nenhum interesse em voltar», explica o professor da Universidade do Sul da Florida.

Talvez nem sequer seja esse o maior problema de Trump. Com os EUA perante a terceira vaga da covid-19 – ou sem sequer terem saído da primeira vaga, dependendo da perspetiva – a resposta do Governo está sob escrutínio, desaprovada por quase dois em cada três norte-americanos, mostram as sondagens. E entre os eleitores mais velhos, os mais vulneráveis ao vírus, o assunto está no topo das suas preocupações.

«Temos a maior proporção de proporção de idosos, muitos deles reformados vindos para a Florida. No caso de Miami ou Fort Lauderdale, na costa leste, vêm sobretudo de Nova Iorque, Pensilvânia, Massachusetts, Nova Jersey. Na costa este da Florida vêm do centro-oeste do país, Chicago, Detroit, Mineápolis», nota Benton.

«A questão é que os idosos da Florida têm uma taxa de participação eleitoral muito alta, podem virar a balança para um lado ou outro. E neste momento Trump não está nada bem aos olhos deles, por não levar a pandemia a sério», explica. Importa lembrar que a Florida, governada pelo republicano Ron DeSantis, aliado próximo de Trump, foi dos primeiros estados a reabrir em abril, incitada pelo Presidente. Semanas depois, tornou-se no epicentro do surto americano.

Seja como for, as sondagens continuam a mostrar que a Florida está dividida entre Trump e Joe Biden, espera-se um resultado renhido – em 2016, Trump ganhou por menos de 1%. Até lá, o mundo estará a olhar para a Florida, tal como as máquinas eleitorais democratas e republicanas.

«As campanhas vão apostar em bastante publicidade, sms e bater às portas», resume Kevin Wagner. «Muitos floridianos ficam motivados a votar por estar no centro da campanha, muitos outros só desejavam que acabasse».

Cinturão de ferrugem

Nas velhas cidades industriais que se estendem entre a Pensilvânia e Ohio, passando pelo Michigan e Wisconsin, o chamado ‘cinturão da ferrugem’, devastado pela desindustrialização dos anos 80, a sensação é de permanente abandono. Exceto quando chega o tempo de votar e estes estados indecisos são inundados pela máquina de campanha eleitoral.

«Os eleitores do Michigan sabem que este é um estado crucial. Após Trump vencer o estado em 2016 por apenas 11 mil do total de 4,8 milhões de votos, é muito claro que cada voto conta. Há constantes anúncios de campanha na televisão e os candidatos têm visitado o estado regularmente», conta Jonathan Hanson, professor de Ciências Políticas na Universidade do Michigan.

Ali ao lado, no Ohio, não é muito diferente, nota também Paul Beck, professor na Universidade Estadual do Ohio. «Há imensos anúncios na TV aqui, especialmente da campanha Biden, e frequentes visitas dos candidatos e dos seus substitutos, com Trump a fazer grandes comícios. O Ohio é claramente um campo de batalha este ano».

O que estes estados têm em comum é terem sido cruciais em 2016, quando foram surpreendentemente conquistados por Trump, dando-lhe a vitória. «Apesar do desemprego estar baixo e em declínio durante a Administração Obama, os salários ficaram estagnados. Com os empregos fabris a fugir para o estrangeiro, muitas famílias sofreram dificuldades», lembra Hanson.

«A mensagem de Trump era que acordos comerciais injustos permitiram a outros países aproveitar-se da América e que a imigração ilegal custava empregos. Esta mensagem era apelativa a eleitores brancos sem estudos superiores, que se tornaram a sua base».

Contudo, após quatro anos de Administração Trump, esse apoio começou a evaporar, à medida que as promessas ficavam por cumprir. Até 2019, fecharam cada vez mais empresas fabris e de prospeção no cinturão de ferrugem. De facto, houve crescimento económico nacional, seguindo a tendência dos últimos anos da Administração Obama, mas os ganhos centraram-se em empresas tecnológicas ou energéticas noutros estados, segundo o Economic Innovation Group. A guerra comercial de Trump com a China, que limitou as exportações norte-americanas, dificultou ainda mais a situação. Depois veio o impacto económico da pandemia, e foi o descalabro.

«Mesmo antes de o vírus chegar, Trump enfrentava uma batalha pela reeleição muito difícil. Os seus índices de aprovação ficaram ancorados nos 42% durante toda a presidência», considera Hanson. «À medida que nos aproximamos da eleição, os níveis de casos batem recordes, uma lembrança diária de quão mal ele geriu esta crise».

Olhando para as sondagens, isso é visível em quase todos os swing states, onde Biden está em vantagem – um dos fatores a desequilibrar a balança parece ser a maior participação de eleitores negros, que votam avassaladoramente nos democratas. Uma das exceções é o Ohio, onde Trump continua à frente. «A demografia do Ohio é semelhante à do Michigan, Wisconsin, Pensilvânia, exceto que os eleitores aqui são mais velhos e têm menos estudos – e há menos negros», explicou Paul Beck.

Texas

A nova surpresa na lista de swing states é o Texas, um histórico bastião republicano. Este ano a disputa será acesa, com as sondagens do Texas Tribune a mostrar Trump com uma margem de apenas 5% sobre Biden.

«Há duas coisas a acontecer em simultâneo no Texas que dificultam a vida dos republicanos», enumera Michael Li, um texano orgulhoso, analista de eleições e direito de voto para o Brennan Center for Justice. «Primeiro, o estado está a tornar-se muito mais diverso. Todos pensam no crescimento dos latinos, que é extraordinário, mas o Texas também tem dos crescimentos mais rápidos da população negra e asiática».

«Ao mesmo tempo, o Texas é um dos estados mais urbanos», nota Li. «Fala-se no Texas e as pessoas pensam imediatamente em cowboys e petróleo, Mas cada vez mais um estado urbano e high-tech, com um número muito elevado de eleitores brancos com educação superior. E esse é um grupo que se está a virar contra os republicanos em grande número, são difíceis de segurar».