Na passada quinta-feira começámos desde cedo a ver imagens do canhão da Nazaré nos principais meios de comunicação. Desta vez o foco não era o tamanho das ondas ou a coragem dos surfistas, como é normal e desejável, as atenções e comentários dirigiam-se para a multidão que se juntou no local para ver o canhão a funcionar. Não é fácil entender uma situação como a que aconteceu, tendo conhecimento das medidas que entram em vigor no fim de semana.
O tema dos ajuntamentos populares tem estado na ordem do dia desde o início do ano passado, quando o Governo e as autoridades de saúde pública nos apresentaram o conceito do distanciamento social. A simplicidade do nome contrasta com a dificuldade do seu entendimento, cada um interpretou o distanciamento social à sua maneira, começando pelos próprios governantes. Desde o primeiro momento foi evidente um problema de comunicação. A população sempre teve dúvidas sobre o que era permitido fazer, mas o bom senso e o medo acabaram por produzir alguns resultados. Noutras situações, como a que se verificou esta semana no canhão, a curiosidade falou mais alto do que a responsabilidade. Já os responsáveis pela gestão da crise tomam decisões quanto à permissão e condições de realização de eventos que são difíceis de compreender.
Porque podemos estar na bancada do autódromo de Portimão mas, na mesma semana, temos de ver os jogos de futebol na televisão? Sem responder a esta questão, torna-se muito difícil estabelecer relações com os patrocinadores, sem os quais muitos eventos não existiam. Além da incerteza, lidamos com a incongruência.
Os eventos, nomeadamente os desportivos e musicais, são os conteúdos mais interessantes para uma marca se associar.
Quer se trate de um patrocínio simples ou de uma coorganização de um grande evento, as marcas querem estar em contextos que permitam o contacto próximo, físico, com as pessoas. O público é um fator determinante na aferição do valor de um conteúdo: com público tem mais interesse e vale sempre mais. Os maiores investidores procuram criar relações duradouras com os principais conteúdos a que se associam, uma relação que vai muito além da publicidade e das mensagens comerciais. O desafio é sempre criar valor para ambas as partes. Desenvolver uma estratégia de associação de uma marca a um conteúdo é um trabalho profundo, multidisciplinar e de longo prazo, sendo fundamental perceber com o que podemos contar. Caso contrário, torna-se impossível estimar o retorno do investimento e cada vez há menos marcas disponíveis para ir a jogo nessa condição.
Neste momento, toda a indústria da produção e organização de eventos atravessa uma situação muito complicada. Vai demorar tempo até voltarmos a ter eventos como os que se faziam antes da pandemia, com milhares de pessoas em contacto muito próximo em recintos fechados. É fundamental criar novas soluções, certamente tirando partido das tecnologias de comunicação à distância, o que implica reestruturar empresas e adquirir novas competências. Um esforço que só faz sentido sabendo para onde se pode caminhar.
É possível, até muito provável, que tenhamos de viver mais uns tempos sem bola ou concertos nos formatos a que estamos habituados. Se tiver que ser, será. Mas não será possível um esforço de comunicação para termos uma ideia daquilo com que vamos poder contar? Ou que pelo menos ajude a perceber quais os critérios que se devem considerar.