A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão foi redigida em França em 1789. Este documento serviu de base à Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgada pelas Nações Unidas, a 10 de dezembro de 1948. No documento francês encontramos, entre outros, os seguintes artigos:
Artigo 1.º – Os homens nascem e são livres e iguais em direitos.
Artigo 4.º – A liberdade consiste em poder fazer tudo aquilo que não prejudique outrem.
Artigo 10.º – Ninguém deve inquietar-se pelas suas opiniões, incluindo opiniões religiosas, contando que a manifestação das mesmas não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei.
Liberdade. Talvez seja este o princípio mais valorizado e, ao mesmo tempo, ameaçado em França neste momento. Liberdade de expressar ideias e convicções. Liberdade de usar véu ou minissaia. Liberdade de comer salsichão e beber Bordeaux. Liberdade de rezar a Allah, de ir à missa ao domingo ou de celebrar Shabat todas as semanas. Liberdade de escolarizar as crianças em estabelecimentos públicos ou privados (maioritariamente católicos). Liberdade para ser-se vegetariano, vegano ou flexitariano. Liberdade para celebrar-se os 50 anos do polémico jornal satírico Charlie Hebdo que banaliza Jesus Cristo, ridiculariza o Papa, brinca com a Shoah e despe o profeta Maomé.
A França é um estado soberano que defende a laicidade assente na tolerância, na neutralidade, na integração, na assimilação, na igualdade e na inclusão. A França é um país laico que não serve carne de porco em muitas cantinas escolares e que proíbe os presépios nas escolas públicas. A França é um país laico que, em várias cidades, vive ao ritmo do Ramadão. A França é um país laico onde Anne Hidalgo (maire de Paris) faz questão de desejar, publicamente, bonne fête de l’Aïd, mas não menciona o Natal, a Páscoa, Hanukkah, Pessach ou Purim nos seus discursos. A França é um país laico onde coabitam, pacificamente, ateus, agnósticos, cristãos, muçulmanos, judeus, budistas, hindus e tantos outros.
A França é um país laico que se recusa a estigmatizar qualquer minoria. A França é um país laico que condena todos os atentados terroristas, mas que desvia o olhar e tapa os ouvidos face às mensagens de ódio difundidas nas redes sociais. A França é um país laico que aplica a tolerância zero à discriminação, mas ignorou as ameaças dirigidas a Samuel Paty. A França é um país laico onde existe uma minoria extremista que mata, sem dó nem piedade, em nome de uma religião. A França é um país laico que pensa ter vinte milhões de muçulmanos quando, na realidade, não chegam a seis milhões. A França é um país laico que tem um Observatório da Laicidade e um Coletivo contra a Islamofobia. A França é um país laico onde alguns pensam que todos os muçulmanos são árabes e que todos os árabes são muçulmanos.
A França é um país laico onde, há várias décadas, os governos preferem fazer o politicamente correto com medo de represálias. A França é um país laico onde uma minoria bárbara decapita, esfaqueia, degola e atropela seres humanos em nome de um Deus. A França é um país laico com vítimas, carrascos, mártires e heróis. A França é um país laico onde certos indivíduos se consideram, primeiro muçulmanos e depois franceses. A França é um país laico onde os 231 estrangeiros com cadastro por radicalização islâmica e associados à Daesh (os chamados fichés S) não são expulsos nem estão na prisão. A França é um país laico onde se grita: «Allahu Akbar!».
A França é, acima de tudo, um país laico que, no século XXI, foi incapaz de evitar a decapitação de um professor e a degolação de uma mulher e de um sacristão que se encontravam numa igreja. A França é um país laico, em teoria. E em teoria vai ficar tudo bem.