Com o resultado já evidente, a eleição que ditou o afastamento de Trump apenas ecoa por via do seu ruído característico. A vantagem de Biden no Colégio Eleitoral é tal que as alegações de irregularidades teriam de ser muito mais sustentadas e de uma ordem de grandeza abissal, já que uma visão histórica de eleições nos EUA indica que é um fenómeno residual na casa das centenas de votos. Juntando a distância de Biden, as (parcas) provas até agora apresentadas e a dimensão média dos casos de fraudes passadas, a probabilidade de Trump estar certo nesta questão é semelhante à de uma pessoa jovem sem outras condições de saúde falecer de covid-19. A Presidência Trump aguarda apenas pela emissão da sua certidão de óbito.
Confesso que dei a Trump o benefício da dúvida quando foi eleito. Achei possível que o estilo circense como candidato fosse gradualmente substituído por uma abordagem mais pragmática na pele de presidente ‘fora do sistema’. Infelizmente a sua presidência manteve o foco quase exclusivo na sua base de apoio e um estilo de governação errático – combinação que resultou num legado económico misto e que custou capital de confiança tanto interno como externo aos EUA.
Naquilo em que seguiu uma agenda liberal – a redução generalizada de impostos sobre o trabalho e empresas – o impacto de Trump foi positivo e sentido por grande parte dos americanos. Porém, o falhanço do tão prometido programa de infraestruturas junto com uma sucessão de políticas iliberais vieram colocar areia na engrenagem económica, ao ponto desta não se conseguir descolar decisivamente da média de crescimento dos últimos dez anos. A postura protecionista que assumiu é um exemplo gritante de como pretendeu agradar à sua base eleitoral em detrimento dos restantes consumidores e empresas que viram os seus custos aumentar nos vários produtos em que foram aplicadas tarifas aduaneiras. A política nasce dum objetivo de manter empregos em indústrias pouco competitivas – que não se verificou de forma sustentada – e por via de uma obsessão mal calibrada em reduzir o défice comercial americano. Este objetivo revelou-se paradoxal dado que tomou em paralelo ações que serviram para agravar a pressão negativa sobre esse mesmo défice. O sistemático agravamento do défice orçamental e a pressão constante sobre a Reserva Federal em prol de um regime de dólar fraco colocaram mais lenha para alimentar o excesso de procura que está na base do défice comercial externo. Quando existe excesso de procura, o protecionismo apenas serve para trocar a proveniência do défice não a sua magnitude.
Numa ótica mais qualitativa, o estilo errático e divisivo de liderança aumentou o clima de tensão o que não contribuiu para fomentar confiança nos agentes económicos. Provavelmente por esta razão – e apesar dos programas de repatriação de lucros – a formação de capital não melhorou face a tendência que já vinha da administração anterior. A previsibilidade governativa é um ativo económico crucial que Trump ignorou por completo.
O legado económico de Trump não assume uma dimensão positiva ao ponto de compensar a total ausência de forma na sua atuação como presidente. Em contraponto, o seu homólogo brasileiro conseguiu reformas marcantes que irão beneficiar o país muito para além da sua presidência, o que em termos relativos suplanta os impactos negativos do estilo abrasivo e posições sociais dúbias que partilha com o Presidente cessante americano.
*Gestor de fundo de investimento macro