Se nalguns casos há medidas relativamente eficazes para lidar com as duas faces da pandemia, noutros a solução é tudo menos óbvia, caso exista. Um dos casos mais complicados é do setor da restauração.
A proposta de valor de um restaurante constrói-se quase sempre a partir de dois argumentos: proximidade física e qualidade da experiência. A solução ideal são as ofertas que combinam os dois argumentos, uma experiência satisfatória próxima de casa ou do local de trabalho. Combinando estes dois fatores, consegue-se a proposta de valor mais competitiva, o que não é muito frequente. Mesmo esta, sem clientes a entrar pela porta, serve de muito pouco.
A qualidade da experiência é a dimensão mais complexa e para a qual contribuem mais fatores. Avaliamos a qualidade da experiência de um restaurante pela matéria prima e confeção, mas também pelo espaço, ambiente e serviço que nos são oferecidos. Não é uma proposta de valor fácil de construir, leva tempo, requer investimentos significativos e de forma contínua. Sem a experiência física, as pessoas não conseguem valorizar a experiência de um bom restaurante da mesma maneira.
A proximidade física é outro fator decisivo para o setor da restauração. Proximidade é conforto e, ao contrário da qualidade da experiência que justifica uma deslocação e compromissos, nos negócios de proximidade é necessária uma experiência negativa para a opção não ser considerada. Se a localização deixar de ser relevante, o que acontece se as pessoas não se puderem movimentar não restam muitos pontos de diferenciação, só a qualidade do produto, caso exista. Depois resta competir na montra da aplicação de um serviço de entregas para ser escolhido.
Por enquanto, as soluções encontradas para lidar com as dificuldades dos restaurantes são o take away e as entregas em casa. Esta alternativa ao negócio tradicional de servir pessoas num espaço, é válida, mas pouco. As infraestruturas não foram pensadas para este modelo, e é tão caricato ver um funcionário a atravessar uma sala vazia com um saco de papel pardo na mão, como é ver um distribuidor a acomodar esse saco na sua mala térmica no meio da rua. Além da irrelevância do fator proximidade, se alguém faz o transporte por nós é indiferente se vem de muito perto ou de um pouco mais longe. O argumento da proximidade perde toda a força. Se a diferenciação surge pela qualidade, ainda é mais complicado. Não é possível replicar a experiência de um restaurante fora do espaço de restauração para a qual foi idealizada. Sem ambiente e serviço, é difícil justificar o custo de ofertas mais diferenciadas, a mesma refeição tem um valor completamente diferente se consumida em casa ou num restaurante.
O digital é a solução encontrada para manter as empresas e, consequentemente, a economia a funcionar. O teletrabalho e o e-commerce são possibilidades evidentes do universo digital com ou sem pandemia, mas são soluções que não servem muitos negócios, nomeadamente o da restauração. Este é um setor que carece (e merece) de apoio, mas também um dos que enfrenta o desafio de ter de efetuar mudanças radicais. Por enquanto trabalham-se promoções, descontos e fidelizações, estratégias que não são sustentáveis no médio prazo e que, até lá, vão delapidando o valor da marca.
É pouco provável voltarmos a um quotidiano ‘normal’ nos próximos tempos. O setor da restauração terá de encontrar novos argumentos e, a partir daí, construir uma nova proposta de valor. Não é fácil mudar o posicionamento de uma marca, em muitos casos é preferível desenvolver de raiz uma identidade capaz de entregar uma nova proposta de valor. Qual? Ninguém sabe.
Resta, por enquanto, esperar que as pessoas não percam o desejo de ir aos restaurantes.