A lentidão dos tribunais administrativos tem sido cada vez mais um obstáculo da justiça em Portugal. Se, no âmbito dos tribunais judiciais, a situação deixa muito a desejar, no caso da justiça administrativa há quem fale de um cenário «completamente caótico». Ao SOL, o bastonário da Ordem dos Advogados, Luís Menezes Leitão, assumiu que «é difícil perceber a razão» pela qual Portugal é o segundo país da Europa com tribunais administrativos mais lentos, apenas atrás de Malta, de acordo com dados de 2018 divulgados pelo Expresso.
«O caso que me deixou mais preocupado foi aquela situação das taxas de proteção civil que as câmaras estavam a lançar e que não passavam de impostos disfarçados. E o que se verificou foi que imensos munícipes puseram impugnações nos tribunais administrativos e nem uma foi decidida em primeira instância durante três anos. Isto é uma situação que me deixa perplexo e que põe em causa todos os direitos dos cidadãos. São necessárias medidas urgentes para resolver esta situação», sublinhou.
Segundo o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (CSTAF), a explicação para esta morosidade passa mesmo por «falta de meios» e pela assessoria aos juízes, que não é de todo adequada. Ao SOL, a juíza secretária, Helena Telo Afonso, vai mais longe e revela que, em 2018, se encontravam mais de 13 mil processos pendentes há mais de seis anos sem decisão final em primeira instância.
«A resolução tão rápida quanto possível e desejável do volume de pendências acumuladas durante anos excede a capacidade dos meios instalados e só poderá ser alcançada mediante medidas excecionais, designadamente através de adequada assessoria aos juízes, legalmente prevista no Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais de 2002, mas cuja implementação sempre foi inviabilizada por falta de publicação do necessário diploma complementar», começou por dizer, realçando que tudo está a ser feito com vista à recuperação das pendências acumuladas, que «são fruto essencialmente de um elevadíssimo volume de processos para um quadro de magistrados e funcionários claramente subdimensionado».
Dar prioridade a processos
Questionado pelo SOL, Pedro Moniz Lopes, professor na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, reforçou a existência de falta de meios nos tribunais administrativos e sublinhou a «cultura burocrática» que continua a prevalecer na Justiça em Portugal.
«Há uma questão muito complexa que não tem sido suficientemente debatida, que é a da prioritização de processos, ou seja, até que ponto em concreto é admissível ao juiz ordená-los por prioridade, como acontece, por exemplo, no Reino Unido». disse, explicando depois como funciona esta prioritização. «Há uma avaliação preliminar da importância do processo e esse mesmo processo pode passar à frente de outros. Isto origina uma série de problemas, é certo, porque pode haver avaliações subjetivas, mas penso que em Portugal ainda há muito a cultura europeia em que o primeiro a entrar é o primeiro a sair. Acho que, provavelmente, o caminho a seguir é dar-se um maior poder aos juízes e aos serviços do tribunal para fazerem uma certa triagem, como nos hospitais. E esse já está a começar a ser o caminho», atirou. No entanto, Pedro Moniz Lopes diz ainda existir falta de agilidade dos próprios serviços, bem como pouca formação no sentido de gerir melhor os processos que chegam aos tribunais administrativos, tais como aqueles que pertencem a refugiados ou até mesmo no que diz respeito a recursos de justiça desportiva. «Era muito importante apostar na gestão processual. E dentro da malha e dos limites da lei, era também importante gerir melhor esses processos e fazer a tal prioritização», concluiu.
Luís Menezes Leitão, por seu turno, sublinhou, porém, que considera não haver assim tanta falta de meios. «Já temos arbitragens administrativas e tributárias. E essas até funcionam com bastante mais velocidade. Mas no âmbito dos tribunais administrativos, a situação tem ficado completamente paralisada», rematou.
Melhorias nos últimos anos
De acordo com dados tornados públicos, uma sentença administrativa em primeira instância leva, em Portugal, 928 dias a proferir, quando a média nos restantes países europeus é de 323 dias. Destes dados resulta, assim, que qualquer processo nos nossos tribunais administrativos e fiscais leva mais de dois anos e meio a ser decidido em primeira instância, sem contar com o tempo que levam os recursos para os tribunais superiores. E, segundo Luís Menezes Leitão, «estamos a falar de processos normais, podendo os processos mais complexos levar mesmo uma década a serem decididos, deixando os cidadãos absolutamente desesperados com esta lentidão, sem que vejam os seus direitos acautelados pelos tribunais». No entanto, o CSTAF deixou claro ao SOL que a situação tem vindo a apresentar melhorias nos últimos anos, uma vez que o CSTAF está «muito atento» às dificuldades e aos constrangimentos desta jurisdição.
«Analisando os dados estatísticos dos tribunais de primeira instância referentes aos anos 2015 a 2019 – quer relativos ao contencioso administrativo, quer relativos ao contencioso tributário –, verifica-se um tendencial aumento do número de processos findos, o que resulta numa tendencial diminuição de pendências, especialmente nos últimos dois anos», revelou.
Em janeiro de 2016, recorde-se, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, já havia alertado para a lentidão da Justiça portuguesa. «Uma justiça lenta é uma justiça que é um travão enorme em termos culturais, económicos e sociais», disse na altura, sublinhando que o problema não era dos profissionais, cuja qualidade era «muito elevada», mas sim de «questões organizativas».