Apesar de os avanços da medicina nos conduzirem hoje a novos caminhos – o que é perfeitamente natural e compreensível à luz dos conhecimentos atuais –, não é menos verdade que a questão do tratamento termal continua nos nossos dias a ter um lugar próprio, sendo objeto de opiniões contraditórias.
Segundo algumas correntes de opinião, o tratamento termal é pura ‘poesia’, os efeitos positivos não estão provados, e é uma medida que passou à História, não cabendo hoje nos meios complementares de tratamento.
Mas outros advogam o contrário – e há ainda muitos médicos a recomendarem aos seus doentes esta forma de tratamento adicional.
Uma coisa é certa: o tratamento termal não faz mal a ninguém, e posso até acrescentar, apoiado na minha experiência, que não há doente que não melhore com este meio complementar. Daí ser legítima a pergunta: os benefícios alcançados nas termas resultam do tratamento propriamente dito ou do efeito psicológico associado à crença naquele programa terapêutico?
É verdade que o tempo glorioso das termas, em que as estâncias termais se enchiam de gente nos períodos de férias, passou. E o que resta de algumas são ruínas e recordações de um passado opulento. Lembro-me, por exemplo, das Termas dos Cucos, perto de Torres Vedras, conhecidas pelos famosos banhos de lama, destinados ao tratamento de certas doenças reumatismais, com uma fantástica área envolvente de vegetação convidando ao repouso e ao lazer. Fui lá muitas vezes em criança a acompanhar os meus avós aos tratamentos, e por ali passaram nomes sonantes da medicina como Egas Moniz e um antigo Presidente da República, António José de Almeida.
Outro triste exemplo diz respeito a Monte Real, durante anos conhecida pelas suas águas indicadas para tratamento das doenças do aparelho digestivo.
Neste último Verão recebi um gratificante convite de uma família tradicional para visitar a vila. Maria dos Prazeres Nunes, septuagenária, com um conhecimento profundo das estâncias termais, fez questão de me acompanhar na visita, percorrendo comigo a pé todo o percurso outrora utilizado por aqueles que ali recorriam. Dizia-me ela: «Vinha para aqui gente de todo o lado e não havia ninguém que não saísse melhor do que entrava. E fazíamos o tratamento, convivíamos, respirávamos este ar puro e tudo isto fazia-nos bem ao corpo e o espírito».
Depois mostrou-me a capela das termas, onde celebravam missa diariamente, hoje abandonada, bem como o edifício termal, do qual apenas resta a saudade de outros tempos. «Fico com a ideia de que houve a preocupação de cortar com o passado e é uma pena terem deixado cair esta obra. Até a estátua do seu fundador foi daqui retirada» – dizia-me a senhora, entristecida e emocionada.
Mas o velho hotel das termas, hoje acrescentado com uma nova estrutura, está ali para mostrar que Monte Real não desapareceu do mapa e aguarda por um novo investimento para prosseguir a sua missão.
Citei apenas estes dois casos, mas, certamente, muitos mais haveria para descrever. Causa-me alguma frustração saber que o nosso país tem potencialidades como poucos nesta área e não as tem sabido aproveitar devidamente. É escusado procurar no estrangeiro aquilo que temos cá dentro – e que, para além dos aspetos médicos já assinalados, podia entrar também como fonte de receita, essencial à nossa economia.
Não é por acaso que ainda se diz que Portugal é ‘o país das termas’. O nosso país dispõe de um vasto leque de opções para cada pessoa, consoante a sua situação clínica. E, sendo assim, é caso para perguntar: queremos desaproveitar essa potencialidade e encarar este assunto como se já não tivesse razão de existir? Ponhamos os olhos lá fora e vejamos como os outros países se empenham afincadamente a cuidar das suas riquezas naturais.
As emoções da senhora D. Prazeres representam a tristeza de um povo a quem é retirado um bem importante para a sua vida. Que queremos nós? Fingir que não se passa nada ou encarar o problema de frente e procurar soluções? A resposta ficará à consciência dos principais responsáveis. Mas quem considerar o tema ‘uma fantasia’ e o quiser condenar por isso, que ‘atire a primeira pedra’…