Depois do outono

O fim dos ciclos políticos são como o outono. Depois da chuva e do vento, ainda que o sol volte já nunca será o de verão

Por Filipe Anacoreta Correia

Advogado

1. O fim dos ciclos políticos são como o outono. Depois da chuva e do vento, ainda que o sol volte já nunca será o de verão e até esse nos aponta o caminho do inverno.
 
2. A confirmação veio para alguns dos Açores. Para outros, pela mão do Bloco e do PCP a tentarem saltar do barco.  Para outros ainda, dos erros sucessivos do Governo na gestão da pandemia e do peso das suas consequências. 

3. O resto sabemos como é. O caminho invernoso é invariavelmente confirmado pelas divisões no seio do próprio Governo com disputas entre ministros, alas e pequenos afrontamentos ao primeiro-ministro. Algum sol que ainda haja já não aquece.
 
4. O calendário acelerou e o ciclo político em Portugal mudou. Antes, tudo apontava para um tempo mais ou menos tranquilo até às autárquicas (outubro do próximo ano), altura em que se iniciaria a preparação das próximas eleições legislativas. 

5. O certo, porém, deu lugar ao incerto. Não é impossível ou sequer improvável que daqui a menos de um ano estejamos já no processo de escolha da próxima composição parlamentar. E os partidos terão de chegar lá com a casa arrumada. 
 
6. Com a mudança do ciclo político, tudo apontaria para o reforço das alternativas. No entanto, a direita dá sinais de nervosismo e agitação. Declarações múltiplas de protagonistas variados sugerem distanciamentos, críticas, forçam perceções de fracasso, procuram precipitar crises internas e a súplica de uma lebre que os faça andar. Estranho? Não necessariamente.

7. A aceleração do calendário político apanha em falso aqueles que, dentro dos partidos que militam, não se conformam com as linhas que os venceram. Muitos, no PSD ou no CDS, temem tanto ou mais um mau governo socialista como um início de um novo ciclo político de centro e de direita que não seja por si protagonizado. Primavera, sim, mas desde que seja eu a andorinha.

8. Esse constitui, em suma, o cerne das suas objeções: não interessa tanto o que dizem, as críticas avulsas que aqui e ali divulgam, muitas vezes contraditórias entre si. O que importa é o seu empenho na perceção de fracasso e de inconsistência das lideranças que visam. 

9. No CDS, por exemplo, muitos propagaram que se deveria fugir como o diabo da cruz de discursos identitários, tendo declarado o pragmatismo como ideologia primeira de condução política. Pois bem, esses mesmos é vê-los agora como guardiões da identidade do CDS, dos seus princípios e valores e tudo o mais, que prometem estar irremediavelmente comprometidos. Os pragmáticos agregadores de ontem deixaram-se seduzir, de modo súbito e surpreendente, por um puritanismo segregacionista de hoje.

10. Não interessa muito se o que dizem é contraditório, inclusive com lideranças que apoiaram e donde emergiram. O que está apenas em causa é a possibilidade de estarem no início de um ciclo político que anteveem entreaberto.  

11. Os partidos políticos não são feiras inorgânica ou congressos do Chega. Qualquer movimento carece pelo menos de um rosto, de um rumo e do respeito pelas regras do jogo. Caso contrário, é puro exercício caótico, inconsequente e irresponsável, agravado quando surge de quem no passado teve papel na condução a este presente.

12. Nestes dias de outono, de vento, de chuva, ou de um sol que não aquece uma coisa se vai consolidando: a mudança de ciclo diz-nos que a terra não para e a primavera não tarda, logo depois de um inverno, que já se sente.