A crónica dos bons malandros das sondagens

A primeira observação a fazer sobre as sondagens é que só são tornadas públicas cerca de um terço, ou menos, das perguntas que foram feitas…

Mandam as regras das crónicas que não digamos ‘Eu’, nem que contemos histórias pessoais, mas antes consigamos escrever histórias universais. Hoje vou contrariar tais regras, contando a minha experiência de sondagens na condição de sondada.

Mas antes disso, gostava de partilhar uma constatação: quando as pessoas estão numa fila para exercer o seu direito de voto, seja em eleições nacionais gerais, ou internas de um partido ou ordem profissional, seja para a presidência de um clube de futebol, para dar exemplos conhecidos por todos, as pessoas não falam sobre as eleições. Não falam sobre candidatos ou sentidos de voto. Ou estão em silêncio, falam sobre a família, ou sobre o tempo e pequenas coisas anódinas. Mas não gritam aos sete ventos em quem vão votar. Porque entendem que o voto é secreto, sendo essa uma garantia da sua liberdade e de que não serão objeto de represálias.

Voltemos às sondagens: não me lembro como começou, apenas que um dia atendi o telefone fixo e do outro lado estava uma pessoa que se identificava como sendo de uma empresa de sondagens muito conhecida, indagando se eu estava disponível para responder a um questionário. Anui com a curiosidade de uma neófita.

O questionário é realizado no início de cada mês, é longo, são feitas muitas perguntas agrupadas por assuntos: matérias políticas, hábitos de consumo (pode ser seguros, banca, para dar dois exemplos) e desportivas (quem achamos que vai ganhar o campeonato, se somos sócio de algum clube, etc).

Sobre matérias políticas, as perguntas são: se fomos votar no último ato eleitoral, em quem; se fosse agora se íamos votar e em quem votaríamos. Depois, segue-se a avaliação dos líderes partidários e Presidente da República; ou começam as perguntas sobre os assuntos políticos ‘quentes do momento’. 

A primeira observação a fazer é que só são tornadas públicas cerca de um terço, ou menos, das perguntas que foram feitas. Nunca vi em lado algum publicadas as respostas sobre hábitos de consumo nem sobre clubes de futebol. Posso, no entanto, presumir que sejam essas entidades que pagam os estudos de mercado e que esses dados sejam valiosos, mas repito, nunca os vi sequer mencionados publicamente.

Em segundo lugar, há bastantes perguntas e respostas no capítulo dos assuntos políticos que também nunca vi divulgadas. Havia sempre perguntas um bocado retorcidas, capciosas e claramente tendenciosas.

Geralmente eram as mesmas pessoas que me telefonavam e eu já as reconhecia pela voz, o inquérito já mais parecia uma lenga-lenga e várias vezes houve em que percebi que já sabiam de tudo de cor e até houve uma vez que anteciparam a minha resposta. Terá sido nesse dia que deixei de me sentir confortável em estar a falar ao telefone com uma pessoa de uma empresa que sabia o meu nome, morada, o meu número de telefone e já conhecia demasiado sobre mim, meus hábitos, ideias e votos.

Terá sido por essa altura que dei por mim a não ser inteiramente sincera nas minhas respostas ao telefone. Terá havido uma vez ou outra que menti, tenho de admitir.

É que somos todos um bocado malandros nas sondagens, parece-me.