Nestes conturbados tempos de pandemia, que parecem não ter fim, tenho-me lembrado muitas vezes do velho ditado popular ‘o fruto proibido é o mais apetecido’. Sempre foi assim. Quando aparecem obstáculos na nossa vida ou situações que interrompem o normal funcionamento do nosso dia-a-dia, sentimos mais do que nunca a falta do que não temos – e, por vezes, entramos em desespero, até podermos retomar a rotina habitual.
Só quando, por exemplo, há uma interrupção no fornecimento da água ou da eletricidade, é que nos damos conta de quanto a nossa vida já depende delas e não as podemos dispensar. E se um produto alimentar se esgota no mercado, é precisamente esse que nos faz falta, como se não houvesse alternativas.
Pelo contrário, quando a vida corre normalmente, não damos valor ao que temos: tudo nos parece ‘natural’ e achamos que nos é devido!
Vem isto a propósito da crise destruidora que vivemos, afetando não só a saúde como a economia num massacre sem precedentes.
É como se estivéssemos em guerra. Uma guerra que começou em março passado, mas que ninguém sabe quando, nem como, vai terminar. Sentimos cada vez mais a falta da ‘normalidade’ perdida e temos uma vontade irresistível de regressar a esse tempo – que, se calhar, não volta mais. É normal. É humano. É a procura do ‘fruto proibido’.
Concretamente no meu setor, reconheço que muita coisa mudou. Era inevitável. Não trabalhamos menos do que antigamente. Trabalhamos é de forma diferente, como as circunstâncias nos obrigam, nalguns casos até à exaustão.
Os doentes atingidos pela doença têm tido a resposta de que necessitam e os outros nunca deixaram de ser atendidos, estando salvaguardadas as situações de urgência.
Contudo, a ânsia de voltar ao antigamente é por demais evidente. A pressão sobre o Serviço Nacional de Saúde é bem notória aos olhos de todos, como que à procura do que, como todos sabemos, não será possível alcançar no momento presente.
Mas, em vez de nos unirmos para enfrentar as dificuldades, em espírito de solidariedade e de união, por vezes a atenção concentra-se no problema e não na solução – apontando o dedo à falta das consultas presenciais (de rotina), à impossibilidade de contactar telefonicamente (por ausência de pessoal) as unidades de saúde, ao inevitável adiamento das cirurgias não essenciais, ao necessário distanciamento social nos centros de saúde.
Este facto, que obriga cada um a entrar na sua vez, gera filas enormes à entrada dos centros, provocando com frequência ondas de protesto que culminam na agressividade verbal sobre quem menos culpa tem. Refiro-me ao pessoal administrativo, sempre o eterno sacrificado, sobre o qual recai a fúria dos utentes mais exaltados – que se permitem fazer ameaças e ofensas a funcionários e funcionárias, chegando mesmo à agressão física, como tristemente aconteceu há pouco tempo na unidade de Paço d’Arcos.
Ao que nós chegámos! É preciso ter calma, serenidade e bom senso. O desespero pelo ‘fruto proibido’, escondido numa normalidade perdida, tem limites. Nada justifica este tipo de comportamentos. Recordo as palavras de Paulo VI, quando esteve entre nós, apelando aos valores mais elementares do comportamento humano: «Homens, sede Homens!».
Esperam-nos tempos difíceis. E sê-lo-ão ainda mais se andarmos sempre a fazer comparações com um passado em que éramos felizes… e não dávamos por isso. O regresso a esse tempo de glória depende muito de cada um – e, acima de tudo, do seu comportamento. «A História não anda para trás», como o meu pai dizia frequentemente.
Procurar agora o que não se pode ter só nos causará dissabores e frustrações.
Conscientes das nossas responsabilidades, caminhemos com coragem no sentido certo – sem perdermos a esperança de que melhores dias hão de chegar. Quando as trevas que hoje nos cobrem a alma se dissiparem, a luz do Sol voltará de novo aos nossos corações. ‘Após a tempestade, vem a bonança’ – mas é preciso sabermos esperar por ela sem ansiedade nem desespero.