As negociações sobre o futuro após o Brexit estão presas por arames e há uma “forte possibilidade” de não haver acordo entre a União Europeia e o Reino Unido, avisou o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, na quinta-feira, após um jantar com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, em que parece não ter havido grandes avanços. A negociações foram estendidas até domingo, que deverá ser um “ponto de finitude”, nas palavras de Dominic Raab, ministro dos Negócios Estrangeiros britânico, à Sky News. À medida que o prazo-limite, dia 1 de janeiro, se aproxima, Bruxelas até apresentou os seus planos para o caso de não haver acordo – o mundo observa, ansioso por saber se será bluff ou preocupação.
Mas, afinal, o que significaria não haver acordo? No imediato, os receios são de caos nas fronteiras. Primeiro, os britânicos ficariam impedidos de entrar na UE exceto para viagens essenciais, devido às restrições provocadas pela covid-19, dado que passariam a contar como país externo à união – Bruxelas tem alguns corredores de viagens, mas só com países com taxas de contágio muito mais baixas que o Reino Unido, como Austrália, Nova Zelândia ou Coreia do Sul.
Depois há a questão dos próprios transportes, podendo haver perturbações no tráfego aéreo, rodoviário e ferroviário. Aqui, Bruxelas mostrou-se disposta a negociar, contemplando os transportes no seu plano de contingência, mantendo conexões básicas durante um máximo de seis meses.
Em troca disso, Bruxelas exige o chamado “campo de jogo nivelado”. Ou seja, que “mesmo após o fim do período de transição, o Reino Unido continue a aplicar padrões suficientemente altos e comparáveis” aos europeus, a nível ambiental ou de qualidade, por exemplo, para evitar controlos na fronteira, lê-se no documento proposto ontem por Von der Leyen.
O problema é que isso é uma das principais condições que Johnson recusa há muito, levando-o até a bloquear o acordo negociado pela sua antecessora, Theresa May. Dado que Londres dificilmente a aceitará, não é de estranhar que os seus planos de contingência – que já vêm de março de 2019, quando o No Deal Brexit parecia iminente – incluam medidas como pôr as forças armadas em alerta, para lidar com problemas na distribuição de comida e medicamentos vindos dos portos ou evitar distúrbios civis.
A longo prazo, não havendo acordo, entrariam em jogo outros fatores, como a imposição de tarifas aduaneiras, aumentando os preços de ambos os lados do canal da Mancha. É um cenário a que Johnson gosta de chamar “um acordo ao estilo australiano” – a Austrália, neste momento, não tem um acordo comercial com a UE, vai negociando quotas e tarifas. Ficando a relação nestes termos, Bruxelas parece ter uma mão melhor que Londres. Em 2019, o mercado europeu absorveu 47% das exportações britânicas, enquanto apenas 4% das exportações da UE se destinaram ao Reino Unido, segundo o Center for International Economics.
Todas essas complicações, que poderão arrastar-se durante anos e anos mais de negociações, podem ser evitadas nas próximas semanas. Contudo, poucos se mostram otimistas quanto a um acordo.
“Pela primeira vez, num mundo de prazos altamente flexíveis, eles anunciaram que a decisão final deve ser tomada até ao fim de semana”, notou Laura Kuenssberg, editora de política da BBC. “A não ser que um lado, provavelmente ambos, estejam dispostos a abdicar muito rapidamente de alguns dos seus princípios, ou que os negociadores se lembrem de algum milagre, então, apesar de todo o seu otimismo, Boris Johnson pode falhar em conseguir o seu acordo comercial, algo de que os brexiteers se gabaram que iria ser fácil”.