Oito pessoas – sete homens e uma mulher com idades compreendidas entre os 42 e os 74 anos – foram identificadas e detidas, pelo Departamento de Investigação da Guarda da Polícia Judiciária, pela alegada prática dos crimes de associação criminosa, falsificação de documentos, corrupção no setor privado, evasão fiscal e branqueamento de capitais no âmbito de processos de revalidação de cartas de condução automóvel.
A investigação
De acordo com informação veiculada pela PJ, os suspeitos recorriam “a falsos atestados médicos e/ou certificados de aptidão física e mental, sem prévia consulta de avaliação pessoal, suspeitando-se que terão beneficiado aproximadamente oito mil indivíduos”. Por outro lado, foram identificadas e constituídas arguidas cerca de 400 pessoas. Importa referir que os indivíduos e os estabelecimentos referidos residem/estão sediados maioritariamente na província da Beira Baixa, nos concelhos do Fundão, Covilhã, Castelo Branco e Idanha-a-Nova.
As detenções
Na sequência da realização de 30 buscas, domiciliárias e não domiciliárias, com participação das autoridades judiciárias e representante da Ordem dos Médicos, procedeu-se à detenção dos oito indivíduos. A PJ adiantou ainda que a operação Consulta Zero permitiu a apreensão de elementos de prova, contando com a presença de, aproximadamente, cinquenta operacionais da PJ. Os supostos criminosos serão presentes às autoridades judiciárias, tendo em vista a eventual aplicação das medidas de coação.
Idosos, os alvos fáceis
Mariana (nome fictício) conhece bem esta realidade. “O meu padrasto tem 85 anos e pede o atestado médico e a renovação da carta no quiosque”, começou por explicar, referindo-se a um pequeno estabelecimento comercial sediado junto do tribunal da Covilhã. “Eu já disse à minha família que ia denunciar esta situação e chegou o dia certo”, adiantou a mulher, acrescentando que o idoso “enviou três carros para a sucata e, com o avanço da idade, já não tem os mesmos reflexos”. A emigrante, que regressou a Portugal há pouco tempo, revelou que o processo fraudulento passa pelos seguintes passos: os funcionários do quiosque fotocopiam o cartão do cidadão do padrasto, “assina um papel, provavelmente, do Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres (IMT), paga 50 euros e a carta de condução é-lhe enviada para casa”.
Mariana confessou que o condutor “não sabe quem é o médico, faz isto há muitos anos”, sendo que “a carta vem sempre com a mesma fotografia”. A partir dos 70 anos, os condutores devem renovar a carta de condução de 2 em 2 anos, tendo de apresentar um atestado médico e um certificado de aptidão psicológica.
O testemunho da mulher alinha-se com as conclusões da investigação Consulta Zero, pois foram já identificados milhares de condutores, três escolas de condução, quatro estabelecimentos comerciais – que também prestam diversos serviços especializados, designadamente como intermediários junto do IMT – e, pelo menos, dois médicos coniventes.
Em declarações aos jornalistas, o coordenador da PJ da Guarda, José Monteiro, considerou que a alegada prática criminosa constitui um “risco acrescido à segurança de todos”, tendo constatado que “a maior parte, ou pelo menos um número absolutamente vasto de cidadãos que renovavam as suas cartas [de condução] desde 2016 a esta parte, o estavam a fazer sem a consulta prévia”, bastando para tal recorrer a agentes e empresários.
1000 euros e uma semana
A seu lado, José (nome fictício) foi mais sigiloso, no entanto, admitiu que uma familiar, que vive em Espanha, dirigiu-se “a uma escola de condução em Braga que faz este tipo de coisas e foi lá tirar a carta no espaço de uma semana, com direito a dormir numa residencial e tudo”, tendo desembolsado “1000 euros”. Isto é, os ilícitos parecem estender-se não só à renovação do título, mas também à 1.ª emissão do mesmo.
Em comunicado enviado à agência Lusa, a Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos (SRCOM) referiu que, face à operação Consulta Zero, remeteu o caso “para análise no respetivo órgão disciplinar”, sendo que “os trâmites do processo irão desenrolar-se no Conselho Disciplinar Regional do Centro da Ordem dos Médicos a quem compete analisar e julgar eventuais infrações à deontologia e ao exercício da profissão médica”. A SRCOM “solicitou ainda informações às entidades competentes sobre o envolvimento dos médicos neste caso”.