Por Fernando Maymone Martins
Os mais afetados pela pandemia são os mais velhos, os mais doentes, os mais pobres. Muitos idosos têm adoecido, sofrido e morrido na maior das solidões. Por isso, o drama dos lares é o mais pungente. Toda a gente o sabe.
Vale a pena notar, no entanto, a atenção e preocupação com que as mortes nos lares e situação dos mais velhos têm sido encaradas falhando a maior parte das vezes, todavia, na necessidade de lhes prestar maior solidariedade e acompanhamento.
Em contraciclo com esta vaga de preocupação com a vida, a saúde e o bem-estar dos mais velhos e doentes, o Parlamento – com legitimidade moral mais do que duvidosa – prepara-se para aprovar a eutanásia. Ou seja, mais um passo na desvalorização da vida na nossa convivência social.
Com o cenário a que assistimos temos uma irresistível sensação de déjá vu em relação à despenalização do aborto.
Tal como aconteceu nessa altura, o avanço é de mansinho.
Entreabre-se a porta, proclamando que a eutanásia ou o apoio ao suicídio serão apenas aplicáveis em casos muito limitados e restritos, com grande aparência de rigor. Passaram-se programas e filmes na TV de forma a impressionar e a formatar opiniões.
Nega-se que se queira, ou mesmo que se possa, entrar em plano inclinado.
Como se não tivéssemos assistido à escandalosa promoção do aborto com a regulamentação do Governo Sócrates, conduzindo à eliminação de dezenas de milhares de vidas.
E como se não estivesse à vista de todos, de forma clamorosa, o que se passa nos locais do mundo onde a legalização da eutanásia já existe.
Andou bem a Ordem dos Médicos ao recusar a sua participação neste processo.
A medicina é uma atividade com um sentido: curar, prolongar a vida, aliviar o sofrimento. É uma missão com um fim, um propósito, uma lógica. Mais do que no domínio de conhecimentos, técnicas, medicamentos ou instrumentos, ela consiste no uso desses meios por um ser humano para ajudar outro. Para que uma pessoa em sofrimento se possa entregar confiantemente nas mãos de outra que cuide dela.
Para que os que têm esse saber ajudem os mais doentes e frágeis, como a pandemia tem posto em destaque que é preciso.
A medicina supõe a vida. Aceitando os seus limites, minimizando o sofrimento. Mas, se não há vida, a medicina não faz falta. Para matar não é preciso a medicina.
Mais ainda, para além dos serviços que a medicina pode proporcionar, seria desejável maior apoio para iniciativas que procuram levar uma presença de amor e companhia aos que dela mais precisam como, por exemplo, as dos voluntários de ComVidas (https://www.portugalcomvidas.com/)
Vale a pena refletir – com a aprovação que o Parlamento prepara, quem serão os que se sentirão mais conduzidos a pensar que já não fazem nada neste mundo senão os mais doentes, os mais velhos, os mais pobres?
Quantos não se sentirão pressionados pelo peso da doença, pela solidão, pelo abandono, pelo ónus que representam, quando a mentalidade prevalecente nestas políticas só os faz pensar que estão cá a mais? Quem na linha da frente para a eutanásia senão eles?
Esperemos que, apesar de tão lamentável condução política, a pandemia não tenha servido só para nos assustar e deixar a economia de rastos, mas também para nos ajudar a pensar melhor no modelo de sociedade em que queremos viver.
Só a afirmação da dignidade superior de toda a vida humana é própria de uma sociedade que, de facto, preza a vida de todos os seus por igual.