Por Luís Paulino Pereira
Há poucas semanas, quando saía do centro de saúde, cruzei-me com um doente meu que, depois de me cumprimentar de acordo com as novas regras a que todos estamos obrigados e com o necessário distanciamento, perguntou-me, não sei se ingenuamente ou para me experimentar, como ia eu passar o Natal este ano, em tempo de pandemia.
Um tanto ou quanto intempestivamente, reagi mais ou menos desta forma: «Sei lá eu como vou passar o Natal! Com as coisas como estão, será que vai haver Natal? Para o que nós estávamos guardados…».
Este senhor, bem mais velho do que eu e com uma longa experiência da vida, ouviu em silêncio os meus desabafos e concluiu: «Tudo isso é verdade, mas não se esqueça do mais importante: haja o que houver, Natal é sempre Natal!». Ao ouvir estas palavras, caí em mim e apenas consegui acrescentar: «Tem toda a razão! Concordo plenamente consigo». Retirei-me pensativo e segui o meu caminho meditando no que tinha ouvido, como se fosse uma lição. Mal imaginava o utente que aquela oportuna expressão iria servir de base para o artigo que hoje venho partilhar com os leitores.
O Natal é um marco importante na história dos homens e uma época que nada nem ninguém pode destruir.
O nascimento de Cristo, que os crentes comemoram, traz também consigo uma onda de paz, de alegria, de fraternidade e de amor, que se estende a toda a humanidade, independentemente da crença religiosa de cada um.
A vertente comercial está igualmente presente.
Por mais que se critique (e com razão) a atitude dos que pretendem reduzir o Natal às compras e aos presentes, não é menos verdade que um Natal sem prendas não é Natal.
Ainda há bem pouco, o nosso primeiro-ministro, falando ao país nas medidas necessárias para tentar travar a evolução dramática desta pandemia devastadora, deixou escapar um pormenor que vem ao encontro da minha reflexão, ao dizer «Tudo isto para salvar o Natal…».
Esta expressão, que mereceu logo algumas críticas e comentários menos gratificantes, por não ser ‘politicamente correta’, revela precisamente o lado humano de quem a utilizou – visto o Natal ser uma referência inquestionável e, por isso, não deixar ninguém indiferente.
Este ano, dominados pela catástrofe covid-19 que tantos danos tem causado e muitas vidas humanas já levou, teremos, obviamente, um Natal diferente. O Natal possível, uma miniatura, uma amostra, o que lhe quiserem chamar, mas ‘Natal é sempre Natal’.
No meu ramo profissional, nem sempre a cura é possível. Tratam-se muitas doenças, mas nem todas se curam. Contudo, há todo um acompanhamento do doente, independentemente do sucesso que se consegue ou não obter, e é esta face da Medicina que me apaixona e fascina. Com o Natal, a situação é idêntica. E, mesmo em épocas de sofrimento, quando não o podemos viver como desejamos, não deixa de irradiar beleza e magia.
Neste tempo de ‘guerra’, declarada por um agente para o qual o homem ainda não conseguiu encontrar a resposta ideal, olhemos para o Natal com outros olhos: lembremos os profissionais de saúde que, em condições dificílimas, lutam afincadamente pelas vidas humanas que caíram nos cuidados intensivos; pensemos naqueles que, anonimamente, se dispõem a ajudar os mais desfavorecidos, vítimas ou não desta calamidade; não esqueçamos os que, atingidos pela pandemia, perderam o seu emprego e não conseguem encontrar sustento para a família; e ainda os nossos governantes que, apesar de todas as falhas que lhes possamos apontar, procuram dar o seu melhor, tentando minimizar as consequências nefastas desta intempérie de que não há memória.
Se estes pensamentos falarem mais alto do que o pânico e o terror em que temos vivido, e os conseguirmos colocar no presépio do nosso coração, todos teremos Natal.
Com a sabedoria do velho utente, pensemos também nós nesta realidade. Há valores mais altos que se levantam e nos mostram o verdadeiro sentido da vida. Alegremo-nos! Estamos no Natal! E ‘Natal é sempre Natal!’.