Covid-19. Europa dá o tiro de partida da sua campanha de vacinação

O começo coordenado da vacinação deveria mostrar a unidade da UE, mas alguns chegaram-se à frente da fila. Enquanto camiões com vacinas percorriam a Europa, também se espalhava a nova variante do vírus.

A União Europeia começou a complexa tarefa de vacinar os seus 450 milhões de habitantes contra a covid-19, após a aprovação da vacina da Pfizer e da BioNTech pela Agência Europeia de Medicamentos (EMA). Era suposto que esta primeira fase da campanha – em que cada país recebeu à volta de 10 mil doses, com o propósito de começarem todos o plano no domingo – servisse de demonstração de unidade da União Europeia, após anos de fragmentação, da saída de um Estado membro com o Brexit e a semanas de disputa à volta do orçamento europeu. Contudo, alguns não resistiram e começaram a vacinar logo no sábado: Hungria, Eslováquia e Alemanha. 

A pressa não é surpreendente, num continente que foi dos mais atingidos pela pandemia, com mais de 16 milhões de infeções registadas e 336 mil mortes, segundo as contas da Associated Press. Na Alemanha, em particular, aumentava a exasperação com a demora na vacinação europeia, semanas após o Reino Unido, Canadá e os Estados Unidos começarem a inocular a sua população com a vacina da BioNTech, uma farmacêutica alemã.

“Cada dia que esperamos é um dia a mais”, explicou à agência norte-americana Tobias Krueger, funcionário de um lar de idosos em Halberstadt, no estado Saxony-Anhalt, que decidiu não esperar pelo resto da Europa – as autoridades estaduais chegaram a ser repreendidas pelo ministério da Saúde por minar a coordenação europeia.

Outra quebra na sincronização foi a demora da Holanda, que só deverá começar a vacinar a partir de 8 de janeiro, dado que o sistema informático para coordenar e registar o processo não está pronto, enquanto a Eslovénia e Hungria se adiantaram. Aliás, o Governo húngaro de Viktor Orbán, por regra cético de Bruxelas, sempre manteve reservas quanto à estratégia de vacinação europeia – há uns meses, Orbán prometeu que o seu país seria o primeiro a usar vacinas russas e chinesas.

Dadas as dúvidas em relação à segurança da vacina russa, a Sputnik V, que recebeu aprovação de emergência do Kremlin antes de chegar sequer à última fase de ensaios clínicos, o resultado foi uma batalha prolongada com a Comissão Europeia. Esta acabou por aceitar o seu uso na Hungria, com a condição que não saísse das fronteiras do país, mas meses depois ainda não há vacinas russas nem chinesas a chegar a Budapeste.

Críticos de Orbán acusam-no de politizar a pandemia e minar a confiança na vacina, num dos países onde o público já está à partida mais reticente – apenas 16% dos húngaros mostraram confiança em tomar uma vacina contra a covid-19, segundo uma sondagem recente do Gabinete Central de Estatísticas Húngaro, citada pelo Politico. 

Contudo, este é um problema que está longe de ser exclusivo da Hungria. Sondagem atrás de sondagem mostram que os países europeus estão entre os mais céticos de vacinas. Por exemplo, menos de 60% dos franceses e polacos aceitariam tomar a vacina contra a covid-19 após se provar que era segura e eficaz, segundo uma sondagem da Nature, enquanto apenas 63% dos portugueses aceitariam a vacina, segundo um estudo de setembro da Nova School of Business & Economics – bem longe dos 70% de população imunizada que se estima ser necessário para a imunidade de grupo. 

“A nossa pesquisa por todo o mundo mostra que quanto mais rico e economicamente desenvolvido for um país, menos confiança nas vacinas tendem a ter as pessoas”, explicou Imran Khan, porta-voz da Wellcome Trust, uma ONG que tenta incentivar à confiança na vacinação. Entre os muitos fatores envolvidos, um deles poderá ser o maior acesso a redes sociais, onde se mobilizam grupos antivacinação. “É uma preocupação que seja tão fácil espalhar-se desinformação sobre vacinas”, admitiu Khan à Euronews.

 

O medo da variante Há medida que camiões frigoríficos carregados de vacina percorriam o continente, oriundos da fábrica da Pfizer e da BioNTech em Puurs, na Bélgica, também se propagava a nova variante do SARS-CoV-2, o vírus que causa a covid-19, detetada no sul de Inglaterra. Apesar de dezenas de países já terem fechado portas a viajantes vindos do Reino Unido, foram detetados casos em países como Espanha, França, Alemanha, Itália ou Holanda, e até fora do espaço europeu, no Canadá, Israel, Líbano, Hong Kong e Austrália.

Receia-se que esta mutação do vírus possa não ter surgido no Reino Unido, mas apenas ter sido detetada lá, dado que o país tem dos sistemas mais sofisticados de monitorização genómica, ou seja, de verificação de variantes da covid-19 – o que significaria que a nova variante poderia estar a circular há meses sem ter sido detetada. 

Esta variante tornou-se de imediato preocupante por parecer ser mais até 70% contagiosa, em particular nas crianças, mas o grande receio é que possa afetar a eficácia da vacina. Até agora, não há evidências de que seja o caso, mas também não há muitas provas em contrário. Farmacêuticas como a BioNTech mostram-se confiantes que, caso a variante afetasse a eficácia da vacina, conseguiriam resolver rapidamente o problema – a dúvida é se os reguladores de saúde permitiriam alterar a vacina, como se faz com a vacina da gripe, sem passar por prolongados ensaios clínicos.

Apesar de todos os receios, numa altura em que já se vê o fundo do túnel, o aparecimento de variantes preocupantes é um contratempo esperado. Os vírus sofrem rapidamente mutações, e o SARS-CoV-2 – apesar de ter uma taxa de mutação muito inferior a outros vírus como o da gripe – não é exceção.

“Deve ser um alarmismo q.b. Não é necessário andar à lupa, mas ter alguns cuidados”, explicou a semana passada ao i João Paulo Gomes, investigador de doenças infecciosas no Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge. Aliás, desde então já surgiram novos motivos de preocupação, como uma nova variante detetada na África do Sul -que cujos pacientes tendem a ter cargas virais mais elevadas, algo associado a sintomas mais graves – e outra na Nigéria.