A primeira bala disparada por_Pat Garrett atingiu Kid no peito e derrubou-o no terreno empoeirado. A segunda falhou o alvo mas já era desnecessária. Henry McCarthy, aliás William H. Booney, aliás Billy The Kid estava morto. Tinha 21 anos e a fama de ser um dos maiores assassinos do velho Oeste. A história não lhe fez justiça. Nem a própria justiça lhe fez justiça ao reduzi-lo a cadáver enquanto fumava à beira de uma fogueira, a sua silhueta destacando-se por entre o tom avermelhado das chamas. Kid merecia outro tipo de morte. Num duelo, talvez. Afinal conseguiu ser uma lenda enquanto ainda era um adolescente.
Muito se escreveu sobre Billy the Kid e pouco se sabe sobre Billy the Kid. A começar pelo dia em que nasceu. Talvez em setembro ou talvez em novembro. Talvez a 17 ou talvez a 23. Num bairro miserável de Nova Iorque, talvez em 1859. Muito provavelmente em 1859. Um bairro de emigrantes irlandeses. Uma fossa a céu aberto. Patrick McCarthy, o pai, morreu quando Billy tinha 6 anos e Catherine, a mãe, levou os filhos para Indianapolis, Indiana, em busca de uma vida menos miserável. Depois casou com um tipo chamado William Henry Harrison Antrim que os levou a todos para Santa Fé, no Novo México, e em seguida para a vizinha cidade de Silver City. Antrim não era um homem bom. Não tardou a abandonar Catherine mal soube que esta sofria de tuberculose. Morreu por causa dessa maleita em setembro de 1974. Henry McCarthy estava por sua conta. Desenrascou-se a trabalhar para uma vizinha que era dona de uma pensão ordinária, Sarah Brown, em troca de comida e de um lugar onde dormir. A comida que Sarah lhe dava era pouca e a fome apertava. Passou a roubá-la.
Aos 15 anos, Billy foi preso pela primeira vez, acusado de assaltar uma lavandaria de chineses da qual surripiou roupa e dois revólveres. Tinha um cúmplice: George Shaefer. Apesar dos distúrbios familiares que brotavam da infância, o jovem McCarthy fazia amigos com facilidade. Infelizmente para ele, não aprendera o significado da palavra escrúpulos.
O faroeste cedo aprendeu que Kid não era bicho de se aguentar fechado por muito tempo. Tinha um jeito especial de se escapar fosse de onde fosse e a sua experiência inaugural na cadeia durou precisamente 48 horas. Trepou para a liberdade através de uma chaminé. Tornava-se um fugitivo. Um fora-da-lei. O mais precoce de todos os que viam os seus nomes registados nas noveletas impressas em papel ordinário mas que ninguém dispensava na altura.
O rapaz que ignorava bancos
Ao contrário de outros patifes do seu tempo, como Jesse James, Cole Younger ou Butch Cassidy, Billy the Kid não se dava ao trabalho de roubar bancos. A sua lenda pode ter atravessado décadas a fio, mas a verdade é que o rapaz, comparado com muitos bandidos que a história registou, era um menino de coro. Preferia dedicar-se ao roubo de cavalos, por exemplo, tarefa para a qual arranjou novo cúmplice, um tal de John R. Mackie, escocês, antigo membro da U.S. Cavalry que se passara para o outro lado da lei. Jonh tinha um gosto especial em pilhar cavalos a soldados, provavelmente por via de um qualquer recalcamento. Foi nessa fase da existência que Henry McCarty ganhou a alcunha de Kid. Era um jovem aprumado, imberbe, de personalidade afável, muito longe da imagem que foram construindo em seu redor ao longo dos tempos. O seu aspeto viria a ser, por acaso, motivo para que matasse um homem, algo que estivera longe de acontecer até então.
No dia 17 de agosto de 1877, no saloon da aldeia de Bonita, em Graham County, Arizona, um ferreiro de maus fígados, Francis P. Cahill, cujo petit-nom era Windy, decidiu embirrar com o aprumo de Billy. Já escorropichara uns copos valentes de uma zurrapa que lhe fora impingida como bourbon e estava naquele estado de espírito implicativo dos borrachos que não sabem beber. De um lado para o outro da sala, Windy soltava de quando em vez um grito na direção de Billy: «Hey, pimp, peace of shit!» O insulto incomodou Kid, mas preferiu ignorá-lo. De nada lhe serviu. Francis teimava em chamar-lhe chulo e começava a tornar-se deveras irritante. Ao ponto de levar com um filho da puta como resposta e rapidamente a troca de insultos passar a troca de socos com os dois a rebolarem pelo chão. Então Billy sacou o revólver de Windy e atingiu-o mortalmente.
O homicídio mexeu violentamente com a cabeça do jovem McCarty. Decididamente não estava preparado para algo tão brutal e demorou a assimilar o que tinha realmente acontecido. Fugiu durante uns dias, manteve-se escondido dos homens do xerife que foram à sua procura, mas finalmente tomou a opção de regressar a Bonita e a entregar-se às autoridades. Billy estava de tal forma confuso e inquieto que, duas horas depois de ter sido encarcerado por ordem do juiz Miles Wood, arrependeu-se mais amargamente do facto de se ter posto à disposição da justiça do que de ter mandado o apepinador Windy desta para melhor. Por isso fez aquilo que melhor sabia fazer: desapareceu da cadeia de_Camp Grant sem que alguém desse por isso durante quase 12 horas. Quando saíram em sua perseguição já ele levava uma dianteira muito razoável. Era um pé-ligeiro.
O homem que matou Billy the Kid
«There’s guns across the river aimin’ at ya/Lawman on your trail, he’d like to catch ya/Bounty hunters, too, they’d like to get ya/Billy, they don’t like you to be so free»: provavelmente, Bob Dylan acertou em cheio. A forma como Billy the Kid teimava em manter-se livre incomodava muita gente.
O homem que matou Billy the Kid foi Patrick Floyd Jarvis Garrett, um fulano de bigodes empinados, xerife de Lincoln City, Novo México, e que teve o atrevimento de escrever um livro a meias com outro descarado, Ash Upson: The Authentic Life of Billy, the Kid, Noted Desperado of the Southwest, Whose Deeds of Daring and Blood Made His Name a Terror in New Mexico, Arizona and Northern Mexico. Para quem era pouco mais do que um analfabeto, o atrevimento tem muito que se lhe diga. Nem que seja pelo diabo do título.
Pat Garrett tornou-se xerife de Lincoln City depois de vencer as eleições contra George Kimball por 320 votos contra 179. Essa vitória encheu-lhe o peito de farronca e daí a considerar-se como uma espécie de enviado de Deus para capturar Bily foi um passo bem menos do que as suas pernas finas e compridas precisavam. A caçada entrou num vórtice de vingança. Pat queria apanhar Kid fosse de que maneira fosse e dedicou os anos seguintes da sua vida a essa empreitada. A fúria era de tal ordem que conseguiu obter uma autorização federal para lançar uma perseguição para lá das fronteiras de qualquer estado. Conduzir Billy The Kid à forca passou a ser uma espécie de desígnio nacional. Pelo menos a Oeste de Pecos.
Patrick era natural do Alabama, onde nasceu em junho de 1850, na cidade de Chambers County. O pai esforçou-se valentemente para comprar um terrenos férteis na Louisiana, ficou rico, mas por pouco tempo. A Guerra Civil Americana reduziu-o à indigência. Pat foi ganhando a vida como caçador de búfalos até que a escassez cada vez maior de rendimentos o levou a aceitar trabalho como cowboy no rancho de Pete Maxwell, em Fort Summer, no Novo México. Primeiro passo dado para a sua ambição de se tornar xerife, como vimos atrás.
No dia 19 de dezembro de 1880, Pat Garrett não podia em si de contente. Tinha cercado o bando de Billy em Fort Summer. Por fortuna, descobrira que Maxwell conservava uma amizade mútua com ambos os contendores. Nada melhor para obter informações sobre os movimentos do jovem bandido. Billy estava acompanhado por um grupo de outros peralvilhos, como Charlie Bowdre, Tom Pickett, Billy Wilson e Tom O’Folliard. Tinham abusado do álcool e ficaram expostos como jamais até aí. O problema é que Garrett e os seus homens estavam tão ansiosos por dar cabo de Kid que o confundiram com O’Folliard e encheram este último de chumbo até o reduzirem a um cartucho de papel amachucado. Billy e os outros puseram-se a milhas e refugiaram-se num local chamado Stinking Springs. Durante a fuga mataram um dos seus perseguidores e capturaram outros três o que levou a que o juiz Warren_Bristol condenasse os fugitivos à forca, ainda que à revelia.
Durante um ano, Pat Garrett e Harry McCarty andaram num jogo de gato e rato. Parecia que Billy tirava mais prazer em baralhar as perseguições do seu inimigo de estimação do que propriamente dedicar-se ao crime em si. Falava corretamente o castelhano e nunca ninguém chegou a perceber ao certo por que não atravessou definitivamente a fronteira com o México pondo-se a salvo dos seus perseguidores. Muitos diziam que Billy não conseguia, pura e simplesmente, viver sem a adrenalina da luta. Outros, confirmando-lhe a alcunha de The Kid, afirmavam que se tratava de um mamífero profundamente infantil que desconhecia por completo o medo e que se divertia à conta de Pat e dos seus esforços baldados em conduzi-lo ao cadafalso. «Playin’ around with some sweet señorita/Into her dark hallway she will lead ya/In some lonesome shadows she will greet ya/Billy, you’re so far away from home», resumia Bob Dylan.
Garrett gasta umas largas páginas da sua obra literária a descrever a noite de 14 de julho de 1881, quando matou Kid. Fazia-se acompanhar por dois deputies, John W. Poe e Thomas McKinney. Quando chegaram ao rancho de Maxwell depararam com um tipo de chapéu mole, casaco preto e calças largueironas que assava um pedaço de carne numa fogueira. No meio da escuridão, o vulto tornou-se reconhecível quando se debruçou sobre as brasas: era Billy. Pat sentiu o sangue borbulhar-lhe nas veias. Deixou os camaradas em vigilância e dirigiu-se à casa onde encontrou Maxwell a dormir serenamente. Acordou-o e submeteu-o a um interrogatório cerrado como um tiroteio. Pete lá foi balbuciando meia dúzia de informações dispersas. Começou por dizer que Kid costumava visitá-lo e instalar-se na quinta durante uns tempos mas que não tinha a certeza de que lá estivesse nesse preciso momento. Finalmente, a voz de Pat Garrett endureceu à medida de uma bala:
– Who is it, Pete?, perguntou de uma forma que não admitia tergiversações.
– That’s him, reconheceu_Maxwell.
O destino de Billy The Kid estava traçado.
O ouvido aguçado do rapaz detetou, finalmente, a presença dos seus perseguidores. As suas últimas palavras surgiram em castelhano, prova de que não contava que Pat estivesse tão próximo dos seus calcanhares: «Quién es?_Quién es?»
Soaram dois tiros. A primeira bala atingiu Billy no peito, na zona do coração, a segunda perdeu-se na noite, mas já não era necessária. «Não disse nem mais uma palavra», conta Garrett no seu livro. «Por momentos estrebuchou no chão, ouvimo-lo gemer e, finalmente, um suspiro longo. Estava morto. Pela primeira vez ao longo de toda a sua vida atribulada e plena de confrontos do género, falhou naquilo que o distinguia de todos os outros e não disparou primeiro. Se o tivesse feito, o cadáver seria eu».
Pat puxou como pôde a brasa à sua sardinha, mas não fugiu à acusação de ter morto Billy de uma forma cobarde, escondido e abatendo-o como um animal. A simpatia popular que Kid granjeara até aí virou-se contra o seu maior inimigo de tal forma que este gastou o resto da sua vida em múltiplas explicações sobre a forma como o atingira, procurando afastar essa imagem de cobardia que quiseram colar-lhe. Teve de recorrer aos auspícios de Marshall Ashmun Upson, o jornalista mais reputado da época no Novo_México, que viera do The_Cincinatti Enquirer para trabalhar no Santa Fe Daily, que lhe serviu de ghostwriter na redação de The Authentic Life of Billy the Kid … etc., etc.
A verdade é que a visão sanguinária que transmitiu de Henry McCarthy, The Kid, foi amplamente exagerada. Afinal o miúdo só tinha 21 anos, apenas tivera tempo para matar oito homens. Nada de especial na escala assassina do Velho Oeste.