O relógio marcava as 22h quando o debate, que demorou 12 horas, se deu por concluído. Um ecrã gigante junto a manifestantes mostrava a mensagem «Es ley!» (é lei). Depois do Uruguai, da Guiana e Guiana Francesa, o Senado argentino aprovou um projeto-lei que permitirá as mulheres acederem legalmente ao aborto até à 14.º semana de gestação.
Antes da aprovação deste novo projeto-lei, era apenas permitido recorrer ao aborto em caso de violação ou se a mãe estivesse em perigo de vida. Uma lei que estava em vigor desde 1921.
O projeto lei, que recebeu 38 votos a favor, 29 votos contra e uma abstenção depois de uma sessão, permite ainda a objeção de consciência a todos os profissionais de saúde, mas exige que atuem com rapidez na procura de médicos que levem a cabo a interrupção voluntária da gravidez, estipulando um máximo de dez dias entre o pedido para realizar a interrupção da gravidez e a sua concretização.
Uma lei que divide um país
Diversos grupos feministas, que exigiam a aprovação desta medida há anos, ocuparam as ruas junto ao Congresso, em Buenos Aires, numa autêntica maré verde, cor que representa a luta feminista neste país, para celebrar esta vitória.
«Quando nasci, as mulheres não eram ninguém. Sinto emoção pela luta de todas as mulheres. Por todos elas, que seja lei», declarou a senadora Silvia Sapag durante o debate, citada pelo El País.
«Queremos que seja lei para que mais nenhuma mulher morra por aborto clandestino», disse Jimena López, que estava presente nas celebrações, ao jornal espanhol. Claro que nem todos estão de acordo com esta legislação. Recordamos que a Argentina é a terra natal do Papa Francisco, que se opôs à aprovação do aborto.
«O Filho de Deus nasceu descartado para nos dizer que todo o descartado é filho de Deus», escreveu poucas horas depois no Twitter. «Veio ao mundo como vem ao mundo uma criança débil e frágil, para podermos acolher com ternura as nossas fraquezas».
A Igreja Católica tem uma forte influência neste país e, tal como os manifestantes que saíram com lenços verde para apoiar a legislação do aborto, também um grande número saiu à rua, mas a enveredar a cor azul celeste, defendendo que o aborto é um crime contra um ser humano indefeso, gritando contra a multidão pró-aborto acusando-os de ser «assassinos».
Vencer num país com uma influência religiosa tão poderosa é algo que motiva o movimento feminista. Giselle Carino, uma ativista da Argentina, acredita que este «momento histórico para o país», pode ter repercussões em positivas em países como o Brasil, Chile ou Colômbia.
«A Argentina enviou uma forte mensagem de esperança para todo o continente: é possível mudar o rumo da criminalização do aborto», disse ao Guardian, relembrando que agora também existe uma alternativa ao aborto clandestino.
Todos os anos, em média, o aborto clandestino provoca a «hospitalização de cerca de 38 mil mulheres», disse o Presidente argentino Alberto Fernández, e, desde 1983, morreram 3 mil mulheres por esta prática.